Caros visitantes,

espero que vocês divirtam-se muito lendo minhas palavras. Peço, porém, por ser esse um trabalho independente, que não republiquem meus textos - inteiros, partes, frases, versos - sem minha expressa autorização. A pena para crime de plágio é dura, além de ser algo bastante humilhante para quem é processado. Tenho certeza que não terei problemas com relação a isso, mas é sempre bom lembrar!

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sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Devaneio

O casal entrou na padaria com caras de poucos amigos. Poucos, não. Eu diria raros, corajosos e bravos amigos. Sei lá se era verdade, mas eles estavam fazendo uma cara tão feia que nem te conto. Eu acho é que eles não tinham amigo nenhum, isso sim.
Estavam viajando, acho que voltando da praia ou algo assim, mas isso era apenas um chute. Não sei bem porque, mas eles estavam com aquela cara de quem foi a praia e estava chovendo, sabe? De quem comeu e não gostou? Cara de quem lambeu sabão, sei lá... Traziam o filho pequeno em um carrinho todo bem cuidado, tão delicado que era difícil crer que o casal e o carrinho pudessem estar no mesmo ambiente. Eles eram como pólos negativos, se repelindo o tempo todo – e isso que o carrinho não tinha nada de positivo – acho que nem a física explicaria aquele fenômeno. Eu não entendo nada de física, mas o máximo aquela coisa de quântica, não quântica, orgânica, inorgânica, sei lá eu.
O pai chegou falando alto, esbanjando moral e vomitando autoridade. Os garçons estavam assustados e ninguém queria atendê-lo. O dono da padaria veio resolver a questão e a mãe começou também a brigar, dizer que o local era péssimo, a pior padaria do mundo, que eles já tinham viajado o mundo todo e que ela sabia o que estava falando, que aquele lugar não valia nem um saco de bosta de camelo. Ela também gostava de esbanjar, aparentemente, arrogância, no caso.
E eu continuei tomando meu café com leite placidamente. Eles lá se engalfinhando e eu só assistindo. Se desse briga, eu entrava no meio para apartar, mas enquanto era só pavonice eu nem quis sair do meu lugar. Olhei a criança – um bebê fofo desses de cartaz – e ela sorria, alheia a tudo. O mundo dela parecia muito divertido. Ela estava bem e exalava felicidade, apesar da raiva que embebia seus pais. Ela era feliz – mesmo com pais loucos como aqueles – e era responsável pelo amanhã. Essa criança vai crescer e pode até virar uma pessoa do governo, importante, um empresário bem sucedido, não sei.
O que sei é que aquele sorriso em meio a briga me fez bem e me fez crer que o amanhã vai ser bom. Crianças felizes mesmo nas adversidades podem dominar o mundo.

Quero crer em um amanhã que seja bom. Sempre. Principalmente no fim do ano.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

A Cantora de Ópera

A cantora pousou as flores na mesa de seu camarim. Eram rosas vermelhas lindas que lhe haviam sido entregues por um admirador secreto, bem ao estilo de filmes de mistério. Os fãs, extasiados, tinham acabado com seus últimos restos de energia. Agora – sentada em sua cadeira de madeira indiana – olhava-se no espelho e sorria. A ópera fora um sucesso. Crítica e público. Os maiores jornais da capital falavam de sua performance, igualando-a à de Maria Callas, Monserrat Caballé e tantas outras. Achava que os críticos exageram um pouco, mas não podia conter a felicidade.
Ouviu o ranger da porta e assustou-se. Virou para ver um estranho homem vindo em sua direção.
“Acalme-se, senhora, sou apenas um velho amigo, por assim dizer, um fã. Chamo-me Arthur Katmadavos. Como vai?”
“Estou bem, estou feliz, acho que agradei, não foi? Ouço meus fãs gritarem meu nome e suas vozes se multiplicarem. Isso me deixa extasiada, mas a que devo a honra de sua visita, senhor Katmadavos?”
“Gostaria de conversar com a senhora sobre negócios, cara Prima Donna. Veja, estou começando um teatro novo aqui em Paris, é um novo conceito. Eu e meu grupo achamos que o gênero ópera está um pouco ultrapassado e os homens não se interessam por ele, somente mulheres e afeminados.”
“Que horror! Como pode fazer tal afirmação logo após ver o sucesso de minha produção?”
“É um sucesso agora, senhora, mas posso garantir-lhe que não passará de uma semana. É um suicídio artístico.”
Ela ficou intrigada. O que aquele homenzinho de casaca poderia oferecer-lhe? Ela era, como todas as primas donna, viciada em sucesso e fama e glamour e sempre queria mais e mais ser conhecida e amada por todos. Foi até a penteadeira, acendeu um cigarro e soprou a fumaça no rosto do convidado inusitado.
“E o que tens para me oferecer então, caro homem?”
“Fama, sucesso e glória, que sei que é o que procuras, senhora, e algo mais se não aceitares minha proposta.”
        “Explique-me sobre esse espetáculo”, disse ela, fazendo círculos com a fumaça.
“É bastante divertido e chamaremos de ‘Vau de Ville’. As moças – sim, várias – se vestirão com roupas atraentes e cantarão. Mais de uma vez levantarão as saias para que os homens vejam suas intimidades. Garanto que isso fará de nós uma dupla de sucesso. Ter uma artista de vosso quilate em nossa produção é tudo o que precisamos. Quanto mais bêbados virem mulheres nuas – ou quase nuas – mais pagarão por isso! É uma idéia genial! E deixe de lado essa bobagem de ópera”
“Como ousa me fazer tal proposta? Pensas que sou uma prostituta para me mostrar-me desse jeito? Retire-se já! Indecente!”
E ela foi em sua direção para enxotá-lo do quarto, mas o homem já estava esperando essa reação e ele segurou seus braços, não com força, mas firmes.
“Acalme-se, senhora, é uma proposta válida! Seria vanguardista, eu sei, mas tenho certeza que em muitos anos seríamos alçados aos pilares da glória, como já lhe disse!”
E ela, furiosa, tentava desvincilhar-se de seus braços fortes, mas ele a mantinha muito próxima, com suas bocas quase coladas. E ele lhe deu um beijo forçado, dolorido e disse:
“Quero que sejas minha. Pouco importa o que fazes, quero que sejas minha. Falei aos guardas que entraria aqui para fazer-lhe uma proposta, mas na verdade queria estar perto de ti. Fui eu que lhe mandei as rosas, sou eu seu admirador secreto. Perdoe-me por minha proposta indecente, mas ainda acho que poderíamos ter sucesso com isso.”
Ela estava chocada, sem reação. Um homem havia invadido seu camarim, feito-lhe uma proposta horrível e beijado-lhe em pouco menos de quinze minutos. Seu coração palpitava e seu ar era rarefeito. Aquele homem era estranho e a simples visão dele causava-lhe asco.
“Não quero nada com o senhor, ponha-se daqui para fora! Ou chamarei os guardas!”
“Acalme-se, senhora, lembre-se que ainda tenho outra surpresa caso não me aceites”
“Não lhe quero, estúpido, quero que saias daqui imediatamente! Rua! Rua para dementes! Rua! Suma!” E ela berrava e berrava.
“Não gostaria que fosse assim, mas a senhora não me deixa escolha”
E ele, gracioso e cruel tal qual um cisne negro, tirou do bolso um pequeno punhal prateado e apontou para ela.
“Se não serás minha, não serás de mais ninguém e viverás para sempre na escuridão.”
Os olhos dela esbugalharam-se. O medo arrepiou-lhe os cabelos. O homem veio com força em sua direção e segurou suas duas mãos para impedi-la de agir. Usou o punhal para cortar as alças de seu vestido, revelando seu corpo inteiro. Com um soco, ele a jogou do outro lado da sala. Agarrou-a pelos cabelos, dizendo:
“Levanta-te, vagabunda. Pensas seres tão importante e onipotente a ponto de zombares de um mago poderoso? Sou senhor de muitos poderes e, como gatos, gosto de brincar com minha presa, antes de devorá-la”
O homem, agora com uma altura diferente e feições tão estranhas, vindas não sabe-se de onde, tornara-se outra pessoa. Sentou na cadeira de madeira indiana e passou a usar seus poderes para controlá-la. Fez com que ela cantasse para ele, dançasse para ele. Usou de sua força para que ela lhe desse prazer, um prazer violento, sujo e forçado, mas que pareceu satisfazê-lo. E ele ria. Dava tapas nos seios dela e ela chorava.
Chorava tanto que o irritou e ele lhe arrancou a voz. Ela desesperou-se ainda mais, tentou correr, tentou fugir, mesmo nua, não se importava, mas as portas estavam trancadas por dentro e ninguém parecia ouvir seu martírio. Rezava a Deus e perguntava porque ele a fazia sofrer tanto, mas até Deus parecia calado e distante.
Quando cansou-se, o senhor Katmadavos, agora transformado no diabólico Kripkato, o mago, teve um único ato de compaixão. Deixou que a cantora escrevesse uma carta de despedida ao seus fãs e matou-a com o punhal cravado em sua garganta.
Ela foi encontrada nua, no chão de seu camarim, com o punhal na garganta e  foi levada ao cemitério por funcionários da ópera. Foi venerada por milhões em seu funeral.

Corrente

Um dia ele saiu de casa e não voltou. Disse que ia comprar cigarros no bar da esquina e não voltou. Não era longe, ele deveria estar logo de volta pra casa, mas não veio. Ela andou pela casa, olhou os quartos, os retratos todos expostos na mesa de madeira da sala. Os filhos já eram criados, todos trabalhavam longe. Seus filhos já tinham filhos e eles, claro, netos.  O cabelo dela nunca ficava branco graças a uma amiga que tinha uma tinta mágica lá no salão. O troço tinha um nome estranho, só podia ser coisa de mágico mesmo, “Kesting”, “Casting”, ela não sabia bem, nunca fora muito bem nas aulas de inglês da escola da igreja.
Ficou acordada a noite toda, esperando. Respirava ansiosa, nervosa. Ela não gostava muito de respirar, aquilo a fazia parecer viva e ela estava quase morta de saudade. O tempo passou, as horas se martelaram em minutos e segundos. Os ponteiros do relógio da sala pareciam carregar o peso do mundo inteiro. E ela não sabia de nada.
Deu uma semana. Um mês. Vários meses. Os filhos procuraram em todos os lugares possíveis, ligaram para a polícia, pros amigos, pros bares, pras escolas, bancos, prefeituras e nada. Nem traço, nem rastro, nem cheiro. Nada.
As buscas foram se tornando escassas, era difícil procurar uma pessoa que não deixara nada para trás. Não havia pistas, nada que levasse ao sumido. Os netos choravam, os filhos lamentavam e ela segurava a barra de todos, com um sorriso cinza no rosto. “Ele vai voltar”, dizia ela, “eu sei que vai”. Ela rezava para Nossa Senhora Desatadora dos Nós e Santo Expedito com fé fervorosa. Rezava por ele, pelos filhos. E nada.
Um dia ela também saiu de casa e foi procurar por ele nesse mundão de Deus. E nunca mais voltou. Parece que os dois foram engolidos pelo nada e depois de um tempo pelo véu do esquecimento.
A casa foi vendida, pintada, reformada e uma nova família foi morar lá. O pai era um trabalhador sério, competente, querido por todos.
Um dia ele saiu de casa e não voltou. Disse que ia comprar cigarros no bar da esquina e não voltou.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

"Se você olhar bem para o teto, perceberá uma rachadura. Há uma rachadura no teto. Nunca havia parado para vê-la. Ver a rachadura. A vida nos leva por caminhos tortuosos e falta de tempo que nem olhamos para cima. Vida. Eu até tinha uma vida. Uma vida cheia de compromissos, de afazeres, de vida enfim. E agora...
Eu era feliz, contente, ria de tudo, mas agora as risadas morrem nas sinapses cerebrais, nem chegam ao rosto. Este rosto sujo que nem me lembro mais, senhores. Nem sei ao certo porque isso acontece agora, nem sei mais porque e como alguém poderia esboçar sorrisos frente ao grande nada que é a tal vida. Trancado nesse quarto escuro, as lágrimas são minhas mais assíduas companheiras. Escorrem pela face e pingam no chão, formando uma coroa. Eu lembro de fotografias feitas em preto e branco que mostravam esse fenômeno natural. Tinha visto em um livro da escola, eu acho, que sei eu.
Essa cela é escura. Meu refúgio é uma mesinha de madeira podre e um bloco de papéis amarelados que uso pra escrever. Foi o que consegui. Aqui as regras são restritas. Nada de diversões, nada de arte. Se o diretor chefe soubesse que eu já fui artista, talvez me colocaria mais isolado ainda do mundo. Eu era poeta. Achava o amor maravilhoso. Agora nada me salva. Eu acho que os poetas só escrevem se estiverem felizes. Mesmo os que escrevem os mais tristes poemas deviam estar tristes. Parece que é impossível escrever sem beber grandes goles da tristeza que nos permeia.
Mandaram me prender. Eu acho que incomodava algum figurão. Nunca vi a justiça funcionar nesse país. Antes de ser preso, eu vi ser solta uma menina tão bonita quanto cruel ser solta, mesmo sendo assassina confessa do assassinato dos pais. Mesmo assim, solta.

E eu?
Preso.

O carcereiro está batendo na grade da cela. Acho que é hora da comida ou algo que pareça com comida. Uma massa de arroz com batata e traços de carne. Eu estou tão isolado que minha cela tem, além de grades, uma grossa porta de ferro. Só posso ver o mundo através do buraco da fechadura. Não sei porque fui preso. Só fico a chorar e soluçar e escrever. Nada mais. Durante toda a minha pena. Qual? A eternidade. Preferiria morrer. Mas sei lá eu."

Há alguns anos, comecei a escrever uma peça de teatro que se chamaria "Caminhando". Estudávamos o período da ditadura no Brasil e eu pensei que poderia escrever algo sobre o período. Fiz pesquisas, li relatos, vi alguns vídeos e, claro, ouvi muita música. No fim das contas, outra pessoa acabou escrevendo o texto. Vi-me então com uma peça começada e levemente delineada. Sem fim. Escrevi também algumas canções para o espetáculo, sendo que duas delas foram de fato usadas. A peça fez sucesso nas suas - duas - apresentações. Hoje revendo esse material, vejo que as canções não são assim tão boas quanto eu achava, mas isso é normal. Esse texto, porém, tem algo que ainda me cativa. Acho que está mal escrito e clichê, mas me chama a atenção por algum motivo. Ainda vou voltar a esse assunto e criar um espetáculo interessante! "Caminhando" é, claro, homenagem à canção de Geraldo Vandré que conclamava os brasileiros a caminharem e cantarem e seguirem a canção, pois eram todos soldados, braços dados ou não.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Chave

Eu te amo porque você me olha
e quando eu te olho de volta
você sorri
e meus olhos brilham
e a sala resplandece
e o mundo parece mais belo
e eu tiro do seu sorriso
a força para seguir nessa vida louca vida

Eu te amo porque você me descobre
me procura, me acha
me entende
e me explica pra mim mesmo

Eu te amo porque você entra no meu mundo
sem a chave da porta
você invade os espaços todos pela janela
faz seu trono, cetro e capa de princesa
e eu deixo e adoro

Eu te amo porque fazemos planos
planos de vida juntos
e estamos juntos
sempre juntos

Eu te amo porque você ri quando eu faço palhaçada
e eu amo a sua risada
meio engasgada, de tanto que ri
e eu amo te fazer rir

Eu te amo porque você fala
e me conta histórias
e eu escuto, atento
e fico imaginando as coisas todas que você conta

E escuto músicas e vejo filmes
E quero te contar minha vida inteira
e os livros, discos, poemas que já li, vi, vivi

Eu te amo porque eu amo
Eu te amo e pronto
Eu te amo e nada mais importa.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Visita

Pode entrar
Senta
Eu faço um café
Me conta dos teus sonhos perdidos de felicidade

Novamente sozinho, amigo?
O que foi dessa vez?
Controle demais? Intrigas demais? Juras demais?
E aquela velha história de deixar
                [ a vida levar era balela
                             [ de quem tem medo
                                           [ de amar de verdade?

Entendo que você não queira falar sobre isso.
Deve doer, né?
Pegue ali aquela xícara que você gosta no armário
O pão e a manteiga estão no fundo da geladeira, como sempre
A torradeira está pra lavar.

Sobre mim, digo que estou bem
Você, na sua dor, talvez não queira saber
Mas eu tenho que falar

Eu queria pintar em todos os muros a minha felicidade
Achei minha cara metade
E agora vivo um carnaval de emoções e ebulições
E me sinto vivo, amigo

Sorrio por nada
Rio de tudo
Grito músicas na beira do mar
Não quero mais dormir com a solidão

A minha dor tinha mesmo que acabar
Já sofri a dor de vários

Quero alegrias, filhos, casa, violões
Quero ela e ela sabe quem é

Não chore, amigo, a vida é boa e ainda vai te fazer cantar

Eu sou sortudo, eu sei
Você também vai ser, eu acho

Não vai, fica
Fiz aquele bolo de chocolate ontem
Aquele que você gosta

Seque as lágrimas na toalha do banheiro


Sente no piano e vamos cantar.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Uma noite qualquer

Abriu a gaveta e viu que os maços de cigarro tinham acabado. Esticou o braço até o fim para ver se nenhum deles tinha deslizado para aquele canto (presentes em todos as gavetas do mundo) onde tudo desaparece. Não. Nada. Pegou seu casaco, vestiu. Estava meio amafanhado, mas não tinha problema, era só uma saída rápida. Olhou sua mulher dormindo no sofá felpudo da sala de tv. Ela segurava firmemente o jornal com a programação e sonhava, com dias melhores possivelmente. Só tinha certeza de que ela segurava o papel com a convicção dos condenados.
Abriu a porta e saiu, regozijando-se com o frescor da noite. Iria descer a rua, parar no bar da esquina e comprar cigarro. Já era de meia idade, tinha o direito de ter um vício. Esses novos jovens babacas com seus papinhos tolos de que cigarro faz mal, dá câncer e todas essas baboseiras. “Que se fodam todos eles”, pensava. “No meu tempo, o povo não ficava dando muita opinião sobre o que os outros faziam. Todo mundo cuidava da sua vida e pronto. Não tinha essa de politicamente correto. Oras, agora tudo pode ser motivo de processo? Queria saber que foi o filho da puta sifilítico que inventou todas essas porras.”
O bar era o de sempre: bêbados espalhados, cada um contando sua história; prostitutas em volta, tentando sem muito sucesso arranjar um programa que valesse a pena continuar naquele bairro acabado; mulheres machonas, cuja principal diversão era arrasar os incautos em jogos de sinuca. Renato olhou em volta e se dirigiu ao caixa. Pediu dois maços de cigarro forte, de alcatrão, coisa pra homem mesmo, não essas bichisses com filtro. Deu um tapa na bunda de Meire, uma das garotas da vida, e disse que ela estava muito gostosa. Ela fez um muxoxo e riu-se: “vai a algum lugar, patrão? Por que não fica?”, e se roçou nele, oferecida. “E eu lá vou perder meu tempo com puta de bar, Meire? Vá procurar outro!”. Ela retirou-se, ofendida, mas não muito.
No caminho de casa, sentiu uma queimação no peito e parou. Sentou-se em uma pedra e ficou lá, jogado, tentando respirar. Pensou que, se morresse, ninguém sentiria sua falta. Teve falta de ar. Enquanto lhe faltava o ar, Renato jogava fumaça nos pulmões pra ver se melhorava a situação. Nada. Nada tinha deixado pra ninguém. A casa era dele, os livros também – poucos, é verdade, mas bons. As outras propriedades todas tinha vendido para pagar os luxos da mulher, que agora mais parecia um saco de banha de porco. Tinha vontade de fugir daquela vida, daquele buraco onde morava. Achou que fosse morrer.
Tragou o ar bem forte e tossiu como um doente do peito – ele mesmo talvez fosse um doente do peito – e levantou, para depois cair de tontura e bater a cabeça. A pedra do chão fez um estrago em sua testa. O sangue escorria, vermelho como o sol do crepúsculo e quente como o inferno. Resolveu ficar lá jogado para morrer. Ninguém sentiria sua falta.

Ninguém sentiu sua falta. No dia seguinte, removeram o corpo, que foi enterrado como indigente, já que a mulher não tinha dinheiro para dar-lhe um caixão apropriado. E se tivesse, também nem se preocuparia com isso.

Drive

I wanna walk down the lane
I wanna go singing in the rain, oh, yeah, baby
I wanna cry at every door
I wanna love you more and more

I wanna tell everyone our story
Make me remember how it all began
I wanna fill it with truth and glory
I wanna paint our faces in a van

Drive, drive, drive, drive, baby
Drive, drive, drive away
Drive, drive, drive together
Please, don't make me stay here

I wanna paint little hearts in all houses
I wanna kiss everybody's cheeks
I wanna throw out all your blouses
And buy you new ones at old botiques

I remember you
I remember what you told me
All the things you told me you would do
Over a fucking cup of tea

I wanna cry and wet my shirt
I wanna die and sell my dessert
Who said life has to be logical?
We can't even be biological!

I gotta tell you one thing:

I remember everything.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

I like it

Um quarto escuro.
Vazio.
Sons externos de caminhões.
Me sopram os ventos frios da melancolia.
E eu penso:
                     no que tive
                     no que não tive
                     no que talvez jamais terei.

Seja como for, terei minhas memórias guardadas
            Sem nenhuma chave ou chance
                             Me dilaceram
                             Me reconstituem
                             São eu.

E Tori ecoa em mim sleeping with butterflies.

           Gotta find my baby, 'cause Nina said:
                               "My baby just cares for me"
                                            and I like it.

Doideiras

Nem tudo que é grand é bom
Nem tudo que é bom é grand
Nem toda nota que sai do tom está fora da melodia

Dizem que todo palhaço já chorou um dia.

Eu quero todo carinho,
você me faz passar carão.
Te ofereço um jatinho, você passa num avião.

Quem foi que fez o eixo enrolar?
Quem foi que deu pro dia o raiar?
Quem vai se alimentar de pão?
Quem vai comprar o cd do Lobão?

Pinky e Cérebro vão conquistar o mundo
Pink Floyd já conquistaram
Chaplin e o garoto, era um vagabundo
E os críticos se amarraram.

Quem foi que fez o dia se abrir?
Quem já foi pro centro da Terra?
Por que a gente não pode se unir?
Por que ainda temos a guerra?

A colherinha de chá é pequena
A colherona de sopa é grande
Isso nunca foi um problema
Por que que eu não pensei nisso antes?

Doideras de uma tarde de sol.
Meu olho azul refratário
Se choca com as grandes orquestras
de luzes dos grandes rostos de metal.

Pombais e povos não marqueses

E juventude transvirada.
I sing with emotion at the window
of my hotel room
I'm locked in this cage
My mind drives a car and I, crazy,
smell the rain.

They told I was a prince and all I
get is dust in the wind.

The radio turns me on, it is Joni.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

A pena

A pena desliza sobre o papel

Tão impávida
Tão bela
Feliz é ela
Que não sabe
Se assinará poesia
Ou perpetrará um genocídio

Apenas desliza sobre o papel

É velho, mas adoro!
A mãe do não é a incerteza

Abro os olhos
Ainda estou dormindo
O dia invade o quarto e
jorra luz

Meu apartamento é feito de paredes de você

Sempre que me molho
me lembro, quase rindo
Você reclamando que eu reparto
Tudo que tenho, credo em cruz
e já nem tenho nem mesmo
frutas para comer

Fecho os olhos
puxo o cobertor
Quero ficar na cama
por ao menos uma semana

Me lembro de quando em Abrolhos
Você reclamou de dor
E ficou a ridícula fama
de ter uma dor insana

Poema de montar
Verso de versar
Túmulo do tédio
Que doce é, pois, tal remédio

Minimalista poesia
Sentimento torpe
Cheiros de taxidermia
Degustação de velhos autores

Elaeu já nem sabia o que dizia

Mas dizia.

E eu babava.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Velha Sintonia

Meu olho quando te viu, explodiu
mal pôde explorar contido
As imagens magnéticas de tua pupila
que abalaram os campos e as cidades
e puseram teus pensamentos em fila
no sentido de minha alma
Era tão bom olhar pra ti, explodiria mil vezes
receberia em mim as filas, você por inteira
Você que amo de qualquer maneira
queria sem fim recebê-la, você por inteira
de bobeira roubar seu beijo
no balanço desses campos, desses versos
E, por isso, apenas algo te peço,
já que não podemos segurar nossa carga de desejo
que me acompanhe apenas em meu ensejo!
Um gracejo e no fim atraídos
Mais que eletricamente unidos
seguindo os sinais de uma outra estação
De outras pernas, de outro verão
Na velha sintonia do amor

Este poema foi escrito com minha querida amiga Thaís Ferraz, poeta de mão cheia, quando gostávamos de passar horas no msn filosofando sobre a vida.

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Mongemeando

Eu amei por amar tanta gente
Tanta gente que não tinha o que dar
Foram largando sem dó e sem canto
Flor e espinho em meu caminhar

Meu caminho que faço sozinho
Tão sozinho quanto balão no ar
Sou só eu e o Deus
Se quiser me acompanhar
Ou se não, até a estrada acabar

Tantos olhos me olharam
Me comeram, me tiraram
O tempo de visão
Me engoliram, me filmaram
Me perderam, me acharam
Me viveram
Sem nada me entregar

Tão depressa foi essa viagem
Só o tempo de uma vida inteira
Brincadeira foi o seu começo
O desfecho está longe de vir

É um pé, pós o outro e mais um
Sempre só, sem calor nenhum
Queria ter, queria poder
Falar

Falar não de coisas banais
Ou tempo ou notícias jornais
Queria falar do amor dos tempos
Imemoriais
Que eu sinto por tudo que me toca
E me traz a lembrança de meu tempo
Do tempo que eu era mais eu do que eu outro

Do tempo que eu era o que eu era
E ninguém se importava com isso

O caminho é largo
O caminho é longe
Eu sigo por ele, sempre de onde parto
Com a paciência de um monge.

Esse poema é das antigas, e eu nem acredito muito que o tenha escrito! E ele estava esquecido em um baú virtual!

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Construções

É tarde da noite, estou sem sono, devia estar dormindo, eu sei, mas resolvi levantar, ligar novamente o computador e escrever. O meu computador anda tão lento, tão devagar, tão vagaroso que quase desisti de fazer isso, mas cá estou eu.
Estava pensando na crônica de hoje quando me lembrei de uma história que me aconteceu um tempo atrás. Vale lembrar que tudo o que relato é sempre verdadeiro e fidedigno. “Não sei, só sei que foi assim”, Chicó é meu primo distante, oi, Ariano!

Eu sempre fui fã de casas, palácios, igrejas, templos, enfim, construções grandes ou nem tanto. Sou fascinado pela arquitetura, pelos detalhes, pela história e tudo o mais. “Por que não fostes ser arquiteto, meu caro?”, perguntam, “simples”, digo eu, “porque eu não ia durar uma hora com toda a matemática da coisa. Enfim, sempre gostei de visitar apartamentos – mesmo que não os fosse alugar ou comprar – só para ver soluções como banheiros pequenos para salas enormes ou vice-versa, cozinhas iluminadas ou não, detalhes, detalhes tão pequenos de nós dois.
Campinas, minha cidadezinha, ainda conserva algumas do que eu chamo de casa de parede. Sei lá se é esse o nome arquitetônico para o que eu estou falando – se não for, corrijam-me, please – mas constitui-se de uma casa que fica geralmente na beira da calçada, sem jardim na frente, e que a porta que nós vemos da rua, já é a porta da sala. Isso não é mais modelo, visto que todos andam muito preocupados com segurança e ter uma casa assim é facilitar muito para esses marginais. A frente da casa é geralmente a porta, uma janela e a porta da garagem, quando esta está lá. O quintal é nos fundos e a casa é bem maior do que parece.
Um dia desses, estava andando pelo centro com uma de minhas alunas particulares (que atualmente vive em Coimbra, um lugar cheio de “casas de parede”!). Ela precisava passar em uma imobiliária na parte velha do centro para pegar umas contas ou coisa assim e eu fui junto. Olhando em volta, percebi uma casa muito bonita – antiga, mas ainda meio conservada – e disse para Lívia que gostaria de dar uma passada por lá depois se ela não se importasse. Por ser uma pessoa ótima, ou simplesmente por me conhecer e não querer contrariar minha loucura, Lívia concordou em me acompanhar.
Para minha surpresa a porta da casa estava aberta. E levava a uma escada de cinco degraus. Na parte alta estava uma estátua de São Jorge, com uma vela acesa. Eu não vi nada de mais e resolvemos entrar mesmo assim. (doidices, sim). Era aparentemente um hotel (de nome Brasil), cheio de quartos. A mulher na “recepção” estranhou em ver duas pessoas assim como nós entrarem lá e ficarem admirando o pé direito alto da construção e ficou nos olhando com cara de “ué?”.
Eu quis ser simpático e fui falar com ela. Disse-lhe que não se assustasse, que estávamos só querendo ver como era a construção e já que a porta estava aberta resolvemos entrar. Ela deu um sorriso amarelo e consentiu na inesperada visita.
Enquanto eu olhava a estranha estátua de São Jorge (Nada contra São Jorge, ao qual tenho muito respeito, mas aquela estátua era particularmente estranha.) e me perguntava o que raios acontecia por ali, percebi que estávamos no meio do caminho, pois uma pessoa nos pediu licença.
Virei os olhos e... bem, desejei não ter virado. A pessoa era uma moça. Feia era apelido. Enorme. Cinco vezes o meu peso. Cara de... É... Hum... Cara de... Deixa pra lá. Resolvi ser simpático de novo, dei licença e fui conversar com ela.

- Olá, a gente só estava observando a construção.
- Ah.
- É que eu gosto de prédios antigos, e esse é antigo, então resolvi entrar pra ver.
- Ah.

E Lívia segurando o riso.

- Você está hospedada aqui?
- Não. Eu faço programas aqui. – E me arreganhou os dentes em um sorriso. Juro que meu estômago se torceu e meus testículos foram passear.

Programas? Hein? Aí me caiu a ficha. ERA UM PUTEIRO! Eu estava em um puteiro! E eu tinha levado minha aluna querida para um puteiro em plena luz do dia!

- Programas?
- É, programas. Você quer ver os quartos? – disse a mulher da recepção, já mais animada com a possibilidade de eu talvez ficar por lá. Enquanto isso, outra profissional chegava com um velho mais com cheiro de cachaça do que a própria cachaça. Eu nem sabia que esses lugares funcionavam de dia!

Não vi, mas tenho certeza que Lívia balançava a cabeça negativamente, mas minha curiosidade era tão grande que concordei.

- A gente só vai dar uma olhada lá dentro e volta, ok?
- Pode olhar, meu filho, se gostar, fica. – disse a velha, provavelmente se divertindo muito com o louco aqui.

Fomos até o fim, exploramos os quartos, vimos que um espaço tinha sido unido ao outro ao longo do tempo, o retalho do chão era variado, aquilo devia ter sido uma casa de família que agora servia a propósitos, digamos, diferentes. E Lívia foi comigo, essa minha brava aluna.
- E esse quarto tem uma janela que abre para dentro! Por que será? – disse eu, na minha ânsia maluca de conhecer aquele lugar estranho.
- Não sei, mas pra boa coisa não era, disse Lívia, com toda a razão.

Voltamos para a recepção, nos despedimos, agradecemos e fomos embora. Cruzamos a rua, afastamo-nos duas quadras e pusemo-nos a rir.

- Um puteiro, Ricardo, jura? Eu é que não entro mais nas suas furadas! – disse minha genial aluna, com certa razão.

Não sei, só sei que foi assim.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Lições Roqueiras

Estava eu tranquilamente olhando discos em um sebo. Uma manhã de sexta-feira radiante e um sol de rachar a moleira.
Um senhor, meio com cara de roqueiro, camiseta preta de banda (Stratovarius, eu acho), topete e pinta de rockstar, entrou e começou a falar com o rapaz do caixa. Pareciam amigos. Ele deve ser um frequentador constante daquele lugar.
Esta foi a conversa: (chamarei de Senhor, 50 e poucos e Rapaz do Caixa, 20 e muitos) – é tudo verdade!

S - Pô, RC, tô ouvindo umas paradas que eu tinha lá em casa, mas nunca tinha dado bola. Tipo, achei uma bandda lá chamada Creedânce, conhece?
RC - Claro, rock é a minha praia, manjo tudo. Curto Creedance de montão.
S - Tipo, e achei uma outra parada lá maneira, manja Led Zeppelin?
 RC - Só, claro, mór curtição.
S - Mas tipo eu nunca tinha visto a cara dos caras.
 RC - Como assim?
S - Ah, eu só ouvia a música, mas tipo nem me liguei nas cara dos nego. Ontem vi um dvd mó massa e tipo aí eu entendi. Os cara são mó loco, véio. Aquele vocal é poderoso, hein? Como é o nome dele mesmo?
RC - Jimmy Page.
S - É isso aí.
RC - O Jimmy tá inteirão ainda, ele veio pro Brasil esse ano tocar com o Alice Cooper.
S - Esse Alice Cooper era dos Stones, né?
RC - Acho que era. Não me ligo muito em Stones, prefiro Beatles.
S - Ah, é. Pena que o Mick Jagger já morreu, né?
RC - É. Ow, c curte Pink Floyd? É que o Paul McCartney tá voltando pro Brasil e ele vai tocar todo o show do The Wall.

Nesse momento, eu larguei todos os livros e cds que estavam em minhas mãos. Passei por eles, agradeci e fui embora. Vomitei um pouquinho a caminho do carro.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Fernanda dos Dias

Tudo começou com um tremor. Outro. Vários tremores. Os dedos se estalavam, nervosos, ansiosos como a dona. Os cabelos revoltos, rebeldes e imponentes chamavam a atenção e completavam a beleza da moça.  O sorriso alegre ao me ver preencheu minha noite. Eu, na minha insegurança, sempre acho que esses amigos músicos que quase não vejo por falta de tempo não vão se lembrar de mim. Eu sei, eu sei – paranóia – já estou tratando isso na terapia, fiquem tranqüilos. O bom é perceber que eles não só se lembram, como me chamam por apelidos carinhosos. Fico feliz. É um jeito de estar perto, mesmo estando longe.
E a moça cumprimentava a todos, amável que só ela, irradiava uma luz forte e interessante que alumiava a noite fechada. “Hoy” era seu dia. A estréia. Não era estréia de palco – seu já velho conhecido – mas estréia de um trabalho próprio, seu. (A pré estréia na verdade, como a artista fez questão de frisar em um determinado momento do show. A estréia ocorrerá quando do lançamento do disco, no fim do ano.)


Fernanda Dias. Voz grave e poderosa, certeira. Eu nem sei quanto tempo faz que acompanho sua carreira, sei que sempre torci por seu sucesso. Tinha umas gravações antigas no meu carro – o cd gravado já quase furado – e sempre que a encontrava fazia a mesma pergunta, correndo o risco de me tornar chato ou inconveniente: “E o disco? Vai sair? Pra quando?”. Ela sabe que era pergunta de fã babão. É tanta admiração que fica difícil saber o que falar, confesso. Sei que não é fácil acertar, mas errar também não é.
Estava ali bem apoiada por músicos da fina nata campineira (e afins). Henrique Torres, tocando poucas coisas como sempre: guitarra, baixo, stilofone, teclado. José Siqueira, o irmão, que eu não conhecia até hoje, tocando violão, baixo e cavaquinho e Bruno Sotil, na sua já tão característica percussão, que conheço desde o primeiro show de Tatiana Rocha que eu vi.
Tenho orgulho de morar em Campinas e tenho orgulho de ver, ouvir, e saber que aqui se faz música de muita qualidade. Alguns músicos são naturais daqui, outros vieram parar aqui. Seja como for, todos contribuem para deixar essa cidade cada vez melhor. Mesmo que seja lenta como o passo de Igbin, tenho certeza que essa revolução de qualidade – música, poesia, canto – vai render muitos e muitos frutos.
O show foi bárbaro. Conhecia várias letras e cantei junto. As novas ouvi atento. Estou louco para ter o cd. Uma das partes mais bonitas foi quando Fernanda chamou  Taïs Reganelli, irmã de Henrique, e outra sumidade – com o quê de ser suíça-chique-simpaticíssima. Amigas de tempos, abraçaram-se, dando força uma para outra e fizeram dois belos duetos. Nem consigo acreditar que em um país que cultue Latino, Calypso e outras cositas más, possa ter espaço para essas duas. E tem. Tem espaço para todo mundo. E que ninguém me ouça para não dizer que é preconceito, mas a verdade é que eu quero que esse povo – Henrique, Bruno, José, Tatiana, Taïs, Fernanda, André deMarco, Helena Porto, Fernando Baeta – domine o mundo! Assim eu nunca mais terei de ouvir tanta porcaria musical! Eu vou fazer de tudo pra isso acontecer!
Voltei para casa sobre o efeito da música, do encontro com amigos, do prazer da música. Que coisa bacana é essa que a música faz com a gente? Tira do prumo e põe em outro estado. Talvez o original? O estado de total contato com tudo? Não sei. Filosofias de fim de noite. Sei que gosto desse estado e o quero para o resto da vida.
Fernanda Dias é um nome que ainda vai dar muito que falar. Fernanda Dias deixa sua marca – forte, direta – desde o princípio. E hoje eu não falo como crítico, nem como escritor, nem como artista das letras. Hoje falo como amigo. E sendo amigo, digo que estava lindo. E sendo amigo, digo que talvez tenha sido um dos melhores shows. E sendo amigo, digo que tenho muito orgulho de conhecer essa grande cantora. E sendo amigo, sou fã há tempos. E sendo fã há tempos, digo que foi simplesmente o máximo.

Fernanda dos Dias. Passados, presentes e futuros!

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Conversa de elevador

Te vi entrar no elevador
E perguntei: "Qual seu andar?"
Você falou que achava que ia chover
Eu disse: "Por que você não pensa em me ligar?"

Língua

Abri a porta
Me andei pelas ruas
Vestindo minhas roupas de seda
e trapos de lua

Pisando, sem querer, o chão
Ouvindo o vento respirar
Pessoas passam por mim
Concentradas em seu caminho
Não pedem, não podem, mas
só querem atenção

Ponho os olhos sobre a mãe que embala a filha
E sobre os beijos e abraços do casal
Quem foi que disse que um homem é uma ilha
Isso não é normal
para mim.

Passo por passo
Pé ante pé
Pessoas que passam
Passarinhos

Eu abro o sorriso
tão grande e de bem
Espero ajudar a abrir
o paraíso de alguém

Quero ficar assim
Alegre e tranqüilo
Lambendo a vida
Beijando meu amor
uma bela menina
cheios nós de ardor.

domingo, 28 de agosto de 2011

Pretérito Imperfeito

Eu queria amar você
Sim, queria
Queria poder planejar passeios no parque
e piqueniques na beira do rio

Queria poder andar de bicicleta com você
Você liderando e eu atrás tentando te acompanhar
Seus olhos brilhantes sempre assertivos
Guiando nosso caminho

Queria poder conhecer tua mãe e ouvir todas as histórias da família
Conhecer teu pai e saber porque ele te chamou assim
Teus primos para me contarem as fofocas

Amar assim como amam os românticos amantes de livros românticos
Desenfreadamente, sem obstácculos, sem objeções
Sem noção
                  de espaço
                            tempo
                                   direção

Queria poder casar com você e termos filhos
Vera, Chuck and Dave, todos fãs de Beatles
embebedarmo-nos de livros e discos
de vinhos e champanhes
de whisky, por que não?

Queria poder viajar com você
Alugar um carro e conhecer a Europa
comer macarrão nas vinícolas italianas
lambuzar-me de delícias ao seu lado

Queria poder ser seu pra sempre
e exclusivo
e único

Queria poder ser seu Arlequim
E você minha Colombina
Você minha Satine
e eu seu Christian
Você Julieta clássica
e eu seu Romeu

Queria poder te amar loucamente
Queria poder sentir o sabor de estar contigo
e banhar-me nos prazeres de ti

Queria poder
queria poder
Poder
Mas não posso

Eu não te amo.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Poderosas

para Karina Mochetti

Ele certificou-se de que a moça estava sozinha antes de fazer seu primeiro, digamos, movimento. Levantou-se com ar sexy da mesa do fundo do bar e ia em direção ao objeto de sua observação ininterrupta dos últimos trinta minutos quando a perna falseou e ele resolveu tornar a sentar. Tinha tremido nas bases, como dizem por aí. E se a cantada que tinha preparado não desse certo, não fosse boa o bastante?
Era muito direta: “Você é linda como um raio de sol”. Tinha visto isso em um filme e o mocinho ficou com a mocinha, mas havia o detalhe do rapaz ser muito bonito e ele sabia não ser a beleza o seu ponto forte.
Pensou em outra. Chegar perguntando para a moça se o pai dela era ladrão. Ela iria irritar-se, óbvio, e dizer que não, oras, onde já se viu. Aí ele diria que o pai só poderia ser ladrão, pois havia roubado a luz das estrelas para colocar nos olhos dela. Ridículo. Tinha certeza que ela o acharia ridículo se falasse isso.
Sua irmã mais velha sempre lhe falava que deveria tentar ser natural, que essa coisa de cantada é para fracos e que as mulheres nem sequer vêem com bons olhos essa tentativa toda pré-preparada. “O melhor”, dizia ela, “é o incerto, o inesperado, aquela surpresa de primeiro encontro”. Isso só tinha servido para deixá-lo ainda mais nervoso e neurótico.
Do que raios ele falaria? Como poderia entabular uma conversa quando o que ele mais queria era beijá-la, massagear seu corpo e ter herdeiros. Ela não era uma deusa grega e estava longe disso, mas nosso herói achava-a a mais linda do bar.
Política? Não, não, as mulheres não gostam de falar sobre isso. Roupas? Ela poderia até gostar do assunto, mas ele não sabia nada, nem o mínimo suficiente para iniciar um galanteio.
Ela parecia tão poderosa. Ele amava as mulheres poderosas, mas morria de medo delas. Tanta opinião, tanta coisa que tinham vivido, e ele era nada mais do que um cara muito simples, com uma vida simples e um passado bem chato. Nada de extraordinário havia acontecido em sua existência.
Talvez filmes fossem interessantes, mas se lembrou de que os últimos que tinha visto era sobre a segunda guerra mundial. Não conseguia lembrar também de nada romântico para dizer-lhe.
Ela estava no balcão, conversando com o dono. Tinha um drinque colorido em sua frente e ria, animada pela conversa. Estava entretida no que fazia. Ele foi se aproximando, sentindo seu cheiro, as ondas dos cabelos de leve, vendo os detalhes da roupa mais de perto. Ainda não sabia como chamaria a atenção da garota, mas não conseguiria ficar enfiado naquela mesa por mais nenhum segundo olhando de longe.
Pediu um drinque. Pensou em algo chique. “Um martíni, por favor”, claro. E com a azeitona. Chique, para uma garota facilmente impressionável.
Ela nem estava prestando atenção, mas quando o drinque chegou ela virou para ele e sorriu, despreocupadamente, até um tanto cúmplice. Tambores africanos rufaram, o mar se abriu e ele sorriu de volta. Pronto. Era aquilo só que ele precisava para melhorar sua noite.
Quando foi abrir a boca para iniciar a conversa que poderia mudar suas vidas para sempre, ele ouviu uma voz da outra ponta do balcão. Era uma outra mulher que chamava. Linda como a luz da lua.

- “Júlia?”, disse aquela linda como a luz da lua.
- “Oi, meu amor! Nossa, Ciça, como você demorou! Achei que eu fosse ficar aqui sozinha e abandonada para sempre!”, respondeu aquela objeto de observação de trinta minutos.
- “Me desculpe. Meu chefe ficou falando sobre um novo projeto na agência e não conseguia me desvencilhar dele. Deixei o estagiário adiantando tudo e vim te encontrar o mais rápido que pude.”

E beijaram-se. Na boca. De língua. E o bar inteiro viu. Nosso herói olhou aquilo, estatelado. Engoliu em seco várias vezes. As duas saíram de lá de mãos dadas, batendo papo alegremente e foram em direção a uma mesa perto da janela.
Ele olhou para o copo, mordeu a azeitona, secou o conteúdo. Sussurrou para si – “mulheres poderosas! Oras, para o inferno com elas!” –  disse, entre dentes.
Pegou seu casaco e foi embora sem pagar, pisando duro, irritadíssimo.

E elas lá conversando e rindo e sendo felizes. E poderosas.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

From the Dead Poet's Society

"I went to the woods because I wanted to live deliberately. I wanted to live deep and suck out all the marrow of life. To put to rout all that was not life, and not when I had come to die, discover that I had not lived" (Henry David Thoreau)

"Eu fui à Floresta porque queria viver livre. Eu queria viver profundamente, e sugar a própria essência da vida. Expurgar tudo o que não fosse vida; e não, ao morrer, descobrir que não havia vivido"

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Romper! Romper! Romper, Poeta!

Romper! Romper! Romper, Poeta!
Escrever para romper, rasgar, expurgar
Tenho o som, o barulho das ondas em meus ouvidos a soluçar
E que sentido tenho sentido
Se sou só mais um barco a navegar nesse tolo mar de incertezas
que é a vida?

Romper, esgarçar a alma, a vida, o sonho!

Olho em volta e me assusto
Com os homens mortos vivos zumbis
Que vivem e não sonham
O que é viver sem sonhar?

Mortos vivos isolados em suas putrefatas vidas de merda
e eu megamalabarizo a minha
Poesia breve, de leve, para cuspir a inércia

Sufocar os sonhos é para os tolos
Os desesperados se agarram ao desejo e
fazem o que podem e o que não podem para tê-los
para vê-los saciados

Os idiotas vomitarão palavras de ordem
E se sentirão galãs
Que podridão de merda, de merda
São tão importantes e imponentes quanto um carrilhão de merdas produzidas por eles próprios e que servirá o prato e a mente de seus filhos e netos massas de manobra alegres e contentes famílias felizes

Rompa, Poeta, rompa!
Rompa a bolha da ignorância, da inércia,
da apatia e da vida não vivida.

Carpe diem! Carpe Diem!

Esqueça os tolos, tolos são cretinos caretas,
caretas corretos que estão por aí em toda parte
e ficam por aí ocupando espaço tão somente espaço
oferecendo espaço vazio de suas mentes à caretice maior

Rompa, Poeta e Carpe Diem!

CARPE DIEM! NOW! AGORA!

Já não enxergo como antes

Existe um bloqueio em meus olhos
Uma miopia indesejada
um véu de ignorância de futuro
de desejo de passado
Um véu que se transforma em cortina
e não me deixa ver o outro lado
Um tule artístico que me perturba

Romper essa vida e viver de verdade

Venha viver comigo, minha doce poesia
Poesia vã, venha cobrir de beijos esse poeta louco atormentado

Sinto saudades de tempos atrás
Não sou mais o mesmo que fui

E ainda bem

ROMPER! ROMPER! ROMPER!

CARPE DIEM! CARPE DIEM!

GRITAR! GRITAR! GRITAR! PULAR! GIRAR!

C
 A        M
  R      E
   P    I
    E  D

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Tumultos

para Pedro, personagem do ator Bruno Garcia, da minissérie "Queridos Amigos", de Maria Adelaide Amaral, e para mim também, um pouco.

Sabe que eu acho uma loucura essa nossa vida de hoje. Acordar cedo, antes do sol muitas vezes, engolir um café, um pedaço de pão de dias atrás, correr para pegar o önibus ou ligar o carro, correr para não chegar atrasado, trabalhar pensando no almoço ou na volta pra casa. Não curtir os pequenos momentos. Acho uma doideira. Hoje eu levantei no meio da noite de um sonho intranqüilo, como Gregor Samsa, e, ao contrário dele, eu não havia me transformado em um inseto monstruoso, mas estava perto. Abri os olhos, levantei da cama e olhei em volta como que para certificar de que estava de volta jogado ao mundo real e que minhas alucinações tinham ficado no sonho e felizmente não haviam cruzado as barreiras da fantasia mental. Só lembro do meu quarto olhando assim, de baixo, deitado. Não lembro dele olhado de pé. Não olho meu quarto. Levanto cedo e vou realmente acordar quando já estou no carro, depois do café. Às vezes sem café, às vezes sem vontade. O trabalho enobrece, dizem por aí. Eu sei. Talvez. Essa visão de poeta torto amargurado é que não me deixa ver as coisas. Amargurado com nada. Não tenho vida suficiente para ser amargurado e me enredo nos meus sonhos de grandeza. Queria ser dono de um flat em Nova Iorque. Queria ter um apartamentinho e viver de escrever. Queria ter vinte mil pessoas me vendo cantar e cantando comigo. Queria ter gurias se esgoelando por mim. E não queria nada disso. Essa indecisão, essa incoerência, essa inconstância, me enlouquece, mas não muito. Não tenho pretensão de ficar louco ou qualquer coisa assim. A loucura é para os gênios e eu não sou gênio nenhum. Sou regular. Não. Regular, não. Mas seguramente não gênio. Eu sei é que o tempo passa e ele sim é irregular, louco, pervertido e perverso. A passagem do tempo pode endoidecer e eu já nem mais saber o que raios estou escrevendo. Será que é isso que chamam de “delirius tremem”? Acordar de um sonho louco e escrever? Será que é isso que os grandes escritores fazem? Aproveitar o pó do sono nos olhos para ver o mundo com outros olhos? Tumultos me habitam vira e mexe e me viram e me mexem e me devolvem depois. Alguns me mudam para sempre, alguns me jogam de volta na inércia de não fazer nada, de não ter feito nada, de não ter ambição para porra nenhuma. Não se entregue, não me entrego. Me podo. Me corto. Me estilhaço. E ninguém nem percebe porque é tudo eu. Tudo eu mesmo que faço comigo. Essa cobrança eterna, essa loucura interior. Essa falsidade. Ser falso consigo mesmo é se matar estando vivo. Eu não matei minha mulher. Eu matei nossa vida em conjunto. Eu matei a tal da união. Me passa aquela xícara de café, por favor.

domingo, 31 de julho de 2011

Casa São Jorge

Hoje eu cheguei em casa cansado. Tava com sono, sem vontade de sair e morrendo de vontade de simplesmente me jogar na cama e sonhar com sei lá eu o que. Tinha uma festa pra ir. E não queria ir. Até queria ir, mas a preguiça me consumia como chamas consomem os tacos de lenha na fogueira. Profundo, né? Coisas de metido a poeta, nem liguem. Aí fui. Minha mãe usou uma chantagem emocional básica dizendo que era o aniversário de uma grande amiga e bla bla bla. E era mesmo. E ela queria ir. E eu fui. E foi legal, claro.
Era em uma casa de samba maravilhosa que tem aqui no meu bairro. O nome é em homenagem ao São Jorge e o nome é muito direito – Casa São Jorge – assim mesmo, direto e reto. A banda era ótima, tocavam música brasileira de várias épocas e o povo dançava como se não houvesse amanhã. Considerando que o amanhã logo chegou e transformou-se em hoje, talvez aquela idéia de que o amanhã não exista seja mesmo verdade. Tocaram Gil, Chico, Cartola e muito mais.
Eu estava cansado – ainda estou enquanto escrevo essas linhas breves – e não estava muito afim de dançar. Confesso que não sou um exímio dançarino, mas até que consigo manter o ritmo e fazer os dois-pra-lá, dois-pra-cá de forma satisfatória, mas só. Girar, jogar a moça por debaixo das pernas e jogá-la para cima para depois segurá-la com três dedos é um pouco demais para mim. Enfim, não quis dançar, então fiquei apoiado no balcão do bar, olhando as pessoas. Eu, quando vou nesse lugar, danço e me divirto. Hoje eu estava me divertindo de outro jeito. Ouvindo os sambas, prestando atenção nas letras e nos rostos ao meu redor, eu entendi de onde veio a inspiração para tantos sambas e tantos casos de amor ininterruptamente acabados, seja lá o que isso significar. A inspiração estava e está no mar de rostos, no mar de vidas por ali.
Vi moças lindas que tirei para dançar apenas com meus olhos. Seus namorados grandes como portas-de-armário sempre olhando em volta para garantir a segurança da namorada. Eles nem sabiam que eu já as tinha convidado para beber, conversar e ficar ali dentro da minha imaginação, só girando. Parece que quanto mais inseguro o cara, mais agarrado ele dança – talvez role um medo de perder a moça para um olhar como o meu. Eu tava quieto, não estava flertando nem nada, mas...conheço o meu charme. Ok, ok, enfim...
Momentos assim são inspiradores. Usando a imagem, o rosto de uma moça que vi, um gesto de um rapaz, o tom de voz de alguém perto de mim posso criar estórias, casamentos, divórcios, brigas e rompimentos fatais. E não é nada real e na verdade é tudo real. Afinal, não é isso que os escritores fazem? Escrevem sobre a vida? E a vida está aí, diante dos olhos o tempo todo.
Vários jovens, outras pessoas de mais idade, algumas de muito mais idade, curtindo, fazendo farra. Para terem uma idéia, eu que voltei dirigindo pois minha mãe tinha dançado e cantado e bebido a noite inteira. E ela estava feliz. E eu estava feliz porque ela estava feliz. Minha amiga Lívia, aniversariante da noite, também estava feliz.
A dança pode acontecer com o namorado ou com alguém desconhecido. Este alguém desconhecido pode assim o permanecer ou pode ser o início de um caso de amor de cinema, que vá resultar em filhos casa comida contas carro e viagens para praia e daqui a muitos anos uma vovó contando que conheceu o vovô quando iam dançar na Casa São Jorge.
Este texto não tem um tema muito claro, eu acho. Talvez inspiração ou dança ou samba ou talvez nada disso.
Dizem os árabes que a gente não perde tempo, a gente perde a vida porque ela não para. Diz o Chico que amanhã vai ser outro dia.
Vai mesmo Chico. Amanhã sempre será um outro dia e ele sempre vai existir – e tornar-se hoje.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Conto Rápidos - Parte 4

Só para não perder o costume, para os meus leitores fiéis ficarem contentes e para os meus detratores saberem que ainda estou vivo, resolvi voltar e postar um conto rápido que fiz hoje. (tudo isso é drama, tá, gente, é que eu sempre quis participar de um desses filmes de super herói, aqueles em que sempre existem vilões e detratores – palavra que eu adoro, aliás).

“Moro em uma longa rua com belas casas, flores e solidões vizinhas”

terça-feira, 5 de julho de 2011

Maço

Eu sempre achei que para ser um escritor eu precisava de um pouco de inspiração, pose e muitos, muitos cigarros. Sabe aquela coisa de filme? Um estúdio, uma ou duas máquinas de escrever, quiçá até um computador ou laptop, vários livros em volta, bibelôs comprados em viagens aleatórias e os pés para cima. A fumaça dos cigarros ininterruptos fazendo formas pelo ar, círculos, espirais e sei lá mais o que. Fui chegando a conclusão de que talvez aquela fumaça é que fosse a real inspiracão e que por isso talvez eu não tivesse escrito nada que o valha como literatura, ou pelo menos não na minha concepção e meu senso crítico tão severo quanto um professor de matemática dos meus pais e avós.
Eu não sei se era verdade, mas há anos que ouço histórias de professores que colocavam alunos de castigo ajoelhados no milho com o chapéu de burro na cabeça ou então que davam reguadas nas mãos de moleques sem educação. Devo confessar que já tive vontade de fazer coisas assim quando trabalhei com adolescentes, mas nunca o fiz. O máximo que fiz foi falar um palavrão em sala e isso já me deu uma dor de cabeça terrível. Os pais vieram reclamar, defendendo a moral e os bons costumes – fizeram discursos enormes e chatos como se estivessem todos nos pedestais da glória – mas bem eu tinha que agüentar a falta de educação de seus filhos. Calado, claro. Muito bonito. Babacas.
Enfim, voltando ao cigarro e as espirais de fumaça. Sou um anti-tabagista ferrenho. Não sou chato, respeito quem fuma e tal, mas não gosto. Do cheiro, principalmente. Fresco? Pode ser, mas não me importo. Não gosto e ponto final. Anti-tabagista sim, mas curioso. Me apóio na idéia de que não tenho tendência para vícios, o que eu acho que é verdade, visto que não tenho nenhum, ou sei lá, muito poucos – isso se você contar comprar cds como vício. Resolvi experimentar a pose para ver se me dava bem e se de repente aquele câncer em forma de palito abria a minha cabeça, mente, imaginação, seja lá o que for, de uma vez por todas.
Estava sim a fim de novas experiências, mas não queria que ninguém soubesse, porque eu sabia que iria ouvir o mesmo discurso que eu faço para todos contra o cigarro. Como era eu mesmo que fazia, já o sabia de cor e salteado. Esperei um dia em que a casa estivesse vazia, arrumei a mesa, comprei papel novo, tinta nova para a máquina de escrever, coloquei-a milimetricamente alinhada no meio da mesa e abri a janela.
Coloquei uma jaqueta preta, arrumei as meias no pé e peguei o carro. Parecia que estava fazendo algo errado e eu olhava para os lados o tempo todo. Fui até o posto de gasolina – como muita gente faz quando o objeto do vício acaba – e comecei a conversar com a moça do caixa.

- Eu queria um cigarro, por favor.
- Qual?

Qual? Como qual? Não sei qual? Já estou fazendo uma contravenção e ainda tenho que escolher uma marca. Me dá qualquer um aí. O politicamente correto apareceu em minha mente e eu dei uma resposta, digamos, estúpida.

- Eu queria um cigarro fraco.
- Fraco? Como assim fraco?
- Assim mesmo. Com baixo teor de nicotina, alcatrão, essas coisas.
- Ah, moço, eu não sei não.
- Não? Mas você vende cigarros todos os dias, não vende?
- Sim, moço, até vendo, mas as pessoas geralmente sabem exatamente o que elas querem. E, além disso, eu mesma não fumo.
- Ah.

Eu queria sair correndo dali, jogar a toalha e pedir água. Ela já havia me nocauteado, destruído e estava com o pé sobre a minha cara. Porém não se deu por feliz. E soltou o golpe fatal.

- Moço, você tem certeza que quer comprar cigarro? Você não tem cara de quem fuma e sinceramente nem deveria começar. Isso faz muito mal, moço, pode perguntar pro meu tio José. Ele está lá em casa esse mês sofrendo de dor no pulmão, a gente até acha que seja alguma coisa grave. Aquele velho é que é uma besta e não vai no médico.

E ela passou a dissertar sobre sua enorme família e todos os casos que conseguiam lembrar para me dissuadir de comprar o maço. Eu, porém, estava decido a ter a experiência e ponto final. Não ia ser a caixa de uma padaria que ia me convencer. Aliás, naquelas alturas, nem a Jennifer Aniston ia me convencer a não comprar o maço.
Comprei um maço preto, cheio de cigarros escuros, que pareciam cigarrilha e eram sabor limão. Ou menta. Ou eucalipto. Ou bafo de onça, algo do tipo. Comprei também o isqueiro, porque eu obviamente não tinha nenhum. Tudo isso por menos de cinco reais. Pensei que se ia fazer mesmo a contravenção pelo menos não gastaria muito dinheiro para isso.
Voltei para casa, sentei à mesa, escrevi qualquer bobagem nos papéis da máquina de escrever e parei olhando o maço e o isqueiro sobre a mesa. Abri o invólucro dos cigarros com muita ternura e retirei um deles. Deixei que meus dedos o sentissem, vibrassem, se tornassem parte dele e ele deles. Foi quase uma carga erotizada, bem mais do que consigo descrever aqui. O cheiro era bom, isso era muito bom, na verdade. Aqui entre nós – isso eu sempre achei. O cheiro de cigarro – não aceso – é bom. Talvez seja o cheiro da nicotina, do alcatrão, do papel, sei lá, mas é bom.
Fui até a janela porque tinha medo que a fumaça se impregnasse no quarto e eu tivesse que dar muitas explicações quando não estivesse sozinho. O dia ventava e algumas tentativas foram necessárias para que eu conseguisse ligar/acender/fazer o isqueiro funcionar. O primeiro cigarro foi gasto em teste. A fumaça já me enjoou e já me fez apagá-lo, tudo rapidamente. Tossi um pouco, lembrei de Hemingway dizendo para ser macho e continuei. Acendi o segundo e coloquei na boca. Mais tosse, mais ardência nos olhos e mais fumaça. Decidi ao menos tragar uma vez.
Foi uma experiência inesquecível. A minha tragada foi como ir ao inferno, dar um tapa nas costas do capeta e voltar. Acho que nunca tossi tanto na vida. Detestável. Contudo, eu me convenci de que não sabia tragar, é claro, nunca tinha feito isso, tinha mais é que tentar de novo.
Tentei de novo e quase tirei meus olhos da cara para eles pararem de doer. Ficaram tão secos e arderam tanto que tive que quase colocá-los em banho maria para ver se poderia os colocar de volta na cabeça. Estranha imagem, eu sei, mas foi essa a sensação.
Na hora, joguei fora o maço e o isqueiro no lixo. O maço inteiro. O isqueiro novinho. Cultuei aquelas duas coisas por um tempo. Ambas ficaram no fundo do lixo do quarto por um mês, sempre na idéia de tentar de novo em breve. Um dia joguei fora. De verdade.
Nunca mais coloquei um cigarro na boca. Faço charme com palitos de dentes, com lápis pequenos, com seja lá o que for, mas nunca com cigarro de verdade. Nunca mais.
Agora, dizem que o whisky é também um bom abridor de mentes. Acho que vou tentar.

domingo, 3 de julho de 2011

Laço de Tulipas

Para Andrea Lucchesi, minha irmã.

O laço vermelho não nos une, mas nos acaricia e envolve
E com eles nos deixamos girar tal qual festa de Boi Bumbá
As espirais do tempo e da inquietude nos irmanaram em sentimentos e momentos lá e cá
Separações tão doídas, revividas um no outro

Duvidas de dúvidas de parte, dessa parte aqui
Que reparte uma em mim e ti e nós dois aqui
Teu pai que não meu é que não é seu
Mãe tua minha que não é de ninguém
Mas é tua minha e é tudo nosso.

O poder do olhar e do saber
Que nos tocam e nos encantam
Compartilhar o saber, reconhecer o olhar
E segurar as pontas quando necessário

Somos as pontas do laço que fizemos por querermo-nos bem
Temos traços que não são traços, mas que parecem traços semelhantes
Se falo o que falo e faço o que faço, é o meu amor por você que me toma as palavras
E eu me preocupo contigo e te quero bem como eu sei que me queres bem também

E sonho contigo.
E jeriquaquaramente gargalhamos.

E eu sonho tulipas, tulipas, tulipas.

Tulipas, tulipas, tulipas, tulipas.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Poesia do Mundo

E eu sei que naquele dia enlouquecido - hospital, cirurgias, pessoas falando de futebol, provas, textos para corrigir, aulas para preparar, testes diários e minha cabeça girando e girando - parei em um congestionamento. O rock'n'roll comendo solto no rádio do carro.

De repente, ouço o som mudar - violões bem tocados e uma música calma (James Taylor, com sua voz tranqüila, sempre companheira) - e uma flor cair por cima do vidro do pára-brisa. Aquilo me acalmou de um jeito que palavra nenhuma tinha conseguido.

Eu ainda acredito na poesia do mundo.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Anestesia ou O Ninho de Vespas

Isso já faz muito tempo, mas eu me lembro como se fosse hoje. Muita coisa já se apagou na poeira densa da memória, mas consigo me lembrar das sensações todas. A escola em que eu estudava quando era muito pequeno funcionava em uma chácara em um bairro bem afastado da cidade, cheio de árvores, animais e poucas casas. Um terreno enorme em que pulávamos, corríamos, brincávamos de tudo possível. Tinha lá meus três, quatro, cinco anos e tudo era novidade. Fazer bolos de areia era o máximo, correr por correr só pra sentir a força do vento, explorar plantas misteriosas, tudo isso fazia parte do meu dia a dia.
Em um desses passeios, analisando a casa de madeira que ficava no centro da escola encontrei algo que chamei de ninho. Era uma estrutura diferente, feita de um material meio gosmento, mas duro. Com os dedos fui sentindo as texturas e percebi a fragilidade daquilo. Parecia um funil ao contrário. Era um ninho de pequenos animaizinhos voadores que depois vim a saber que era vespas. Vespinhas dessas inofensivas que só voam pelos lugares, mas não atacam e nem picam. Fiquei extremamente atraído por aquilo e várias vezes dava eu corria e brincava pela escola e acabava por ficar lá perto, só admirando o vôo das vespas na sua volta para casa. Confesso que fiz testes para saber o quanto aquela fortaleza frágil agüentava e por vezes amassei aquele material para fechar a entrada e ver o que elas fariam. Quando voltava no outro dia e ia lá procurar, elas tinham conseguido fazer outro buraco para poder sair de seus abrigos.
Tornaram-se elas então um ponto de tranqüilidade naquele lugar por vezes inóspito. O interessante é que sempre que eu brigava com algum coleguinha ou levava bronca por algo que eu – obviamente – não tinha feito eu corria para o “ninho das vespas” e me sentia protegido. Elas eram como se fosse um esquadrão de soldados muito corajosos que protegeriam seu imperador (eu – em uma demonstração clara de que megalomania não tem idade) e fariam seus inimigos em pedaços. Sempre fui uma criança muito criativa, que falava sozinha e que tinha poucos amigos, mas bons. Talvez isso explique porque eu tinha as vespas em tão alta conta.
O tempo foi passando e eu me esqueci desse ninho, me esqueci das vespas e me esqueci de muitas coisas. Criei então outros refúgios para quando estivesse triste. A escola que eu estudava faliu e a chácara foi comprada por ninguém menos que minha mãe e sua sócia para fazerem uma outra escola, com outros alunos e professores. Por isso ainda mantenho certo contato com a chácara, já muito mudada, assim como eu. Aquela que era enorme e cativava meu interesse, agora é um espaço normal. Eu cresci, a chácara é a mesma. A sensação é diferente. Por um instinto fui procurar meu ninho de vespas para perceber que nada mais existia lá. Elas já tinham partido dali e o vento e as chuvas fizeram seu papel, lavando tudo. Hoje lá só encontro a madeira da casa. Devo dizer que fiquei até um pouco chateado, apesar daquele ninho de vespas não estar lá há muito tempo.
Pensei nos outros refúgios que criei para quando a tristeza viesse pintar meu céu de cinza. A música, meus instrumentos – todos com seus devidos nomes e histórias e mesma importância –,  meus livros e filmes – os dois minha possibilidade de viajar por outros mundos – minha família, meu quarto, minha cama, meus escritos. Cada um deles com seu valor, seu passado, seu presente e futuro.
Pensei também em meus amigos, meus grandes amigos, meus irmãos que a vida me fez encontrar e que tenho muita sorte de ter agora que estou passando uma fase meio barra pesada. Estou lidando com a dor da perda do meu cachorro de muitos anos e com uma doença na família de uma pessoa muito próxima. Uma doença cretina, silenciosa e odiosa. De formas diferentes, com pequenos gestos, todos estão me acolhendo e demonstrando o carinho que tem por mim. Faço questão de retribuir de qualquer maneira possível.
Dizem por aí que o ser humano é uma ilha. Até pode ser. Cada um pensando nos seus problemas, nas suas frustrações, nos seus desejos e realidade. Eu sei, porém, que compartilhamos sensações, memórias, risadas e lágrimas todos juntos. Diferentes, mas os mesmos. Mais velhos, mais novos, mais sabidos, mais vividos, com muita ainda por viver. São todos ilhas, mas são meu arquipélago e não deixarei nenhum deles se afundar e eles também cuidam para que eu não me afunde.
Achei neles as minhas vespas. Talvez a comparação não seja das mais românticas, mas tem um sentido muito especial para mim. São meus soldados, são aqueles que me protegem das adversidades e da loucura. Não sou seu imperador – é óbvio - e nem quero ser, a união de pessoas tão diferentes já me basta.
A dor é líquida, se transforma em choro. A saudade é um veneno que tomamos aos poucos para ficarmos vivos. Vejo a amizade como blocos de concretos aos quais posso me agarram para não cair no abismo da solidão.
Estou anestesiado. Não curado das dores dessa vida que vão chegando sem dar aviso – e que eu, em minha jovem idade, ainda nem faço muita idéia -, mas com as baterias recarregadas para enfrentá-las de cabeça erguida. E esse mérito é todo de vocês, meus amigos, meus amados amigos. Depois eu choro, depois. Agora eu sorrio pensando em vocês. Obrigado.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Confissões de um Escritor

Dizem os católicos que as pessoas devem se confessar com uma certa freqüência. Não sei, porém, qual é essa freqüência, até por que acredito ser esta uma palavra amplamente relativa. O que é freqüente para mim pode não ser freqüente o suficiente para outro. Tenho certeza que as carolas se confessam muito mais do que aquele cara que fez primeira comunhão há milhões de anos e nunca parou para pensar nisso e ainda sente-se ridículo na fotografia, ajoelhado, segurando uma vela.
Não pretendo aqui entrar no mérito da confissão; se ela deve existir ou não, se deve ser abolida, se não poder ser abolida, “imagina!”. Isso é assunto para religiosos, igrejas e fanáticos. Quero dizer que, não sendo católico, não tenho por hábito me confessar (para? com?) alguém que é tão pecador quanto eu. Sei que vão me dizer que os padres são ungidos com o toque divino e tudo o mais – e até acredito que sejam mesmo – mas depois de todas essas notícias de pedofilia e violência não consigo evitar o fato de ficar com o pé atrás.
Resolvi então fazer graça com isso e me confessar com vocês, meus enigmáticos, inteligentes, lindos e graciosos leitores. Talvez vocês possam compartilhar seus anseios e angústias e rir do ridículo do que escrevo. Algumas tem relação com o ato de escrever, outras com comportamentos e outras ligam o nada a coisa nenhuma. (Nossa, isso é que é uma frase de efeito... Vou falar umas três ou quatro coisinhas e pronto, gente, calma, senão vocês vão ficar lendo isso até semana que vem!)

1. Eu como comida que cai no chão.

Não é também generalizado, não é qualquer coisa. Estou lá, de madrugada, morrendo de fome, corro até a geladeira e acho um pedaço de pizza de três dias atrás (ou seja, nova). É um pedaço de pizza de abobrinha. Sorrio amarelo e fico me perguntando quem diabos pede pizza de salada (uma das minhas dúvidas eternas). Resolvo esquentar a pizza e comê-la, ao menos para saciar minha fome. Pego o prato, lavo os talheres, ponho no forno de microondas. Está quente. Corto um pedaço com o garfo e ele, por ironia do destino, cai no chão. Depois de todo esse trabalho, vocês realmente acham que eu vou jogar fora aquele bravo pedaço? Eu, não, violão. Pego o pedaço com o garfo, assopro e continuo comendo.

2. Já assisti ao clipe do Justin Bieber, “Baby”.

Sim, já, aham. O motivo alegado foi ter muitos alunos adolescentes, que eram super fãs do carinha e tal e tal. É sempre bom ter alguém para falar mal no meio musical e todos esses pop hiper-fabricados, como diria o Moby, do mesmo estilo – Rebecca Black, Justin Bieber, Selena Gomez, Britney Spears, Rihanna e sei lá mais quem – servem muito bem para esse propósito. O problema é que eu curti a música desse energúmeno de dezessete anos com voz de doze. A batida é legal e a letra chega a ser engraçada de tão ridícula. Enfim, não me sinto orgulhoso disso, mas assisti o tal clipe umas quatro vezes seguidas. (Eu sei, eu sei, vou me penitenciar!) Se vocês já devem estar furiosos com essa traição ao rock’n’roll e à música brasileira, nem vou falar que tenho um disco duplo inteiro da Lady Gaga no pendrive.

3. Eu falo de livros que não li.

Algumas pessoas já desconfiam, outras tem uma idéia, outras não fazem idéia, mas podem ter certeza que eu não todos os livros dos quais eu falo. Eu sei informações sobre eles porque já ouvi pessoas falando sobre eles, já li resenhas, já li wikipeadia e tudo o mais. Não acho que é exatamente um pecado, mas é uma confissão de qualquer jeito.

4. Não gosto de praia.

Ah, vai, eu até gosto e tal, mas tenho a maior preguiça de todas as preparações – arrumar mala, viajar até lá, passar filtro solar (ou equivalentes), andar até a praia, voltar da praia, essas coisas – só de pensar nisso já fico cansado. Apesar de tudo isso, não há nada como ficar tomando água de côco, no sol, lendo um livro ou tocando violão ou simplesmente lagarteado – como dizem os gaúchos – ato que consiste em não fazer absolutamente nada, só deixar o sono (não tenho certeza de como e quando os lagartos dormem, mas com tantos gaúchos na família, nunca contestei a tal expressão).

5. Não gosto de chocolate.

Tinha uma época que eu nem pensava em comer chocolate. Simplesmente não gostava. Quando era criança até comia bastante, mas depois de ficar um ano e meio sem comer chocolate, côco e camarão, por conta da bronquite e de um novo tratamento, acabei perdendo o gosto. É uma certa birra, na verdade, porque acho que tudo fica com o mesmo gosto. Às vezes compro um mousse de morango que parece delicioso. Quando vou comê-lo, aquele gosto de chocolate (veja bem: a quantidade é quase imperceptível) toma conta de todo o paladar. Passei um tempo sem colocar nada de chocolate na boca – o que foi bom porque é muito gorduroso e isso não faz bem para a voz e preciso dela para todos os meus intentos profissionais e culturais (ator, cantor, professor). Hoje em dia como um pouco aqui e ali, mas pouco perfeitamente ficar sem. Por meses e até anos.

6. Não gostava de Pink Floyd, David Bowie e Senhor dos Anéis.

Pois é. Quem me conhece hoje pode não acreditar, mas durante muito tempo eu não gostava de nenhuma dessas três coisas. Meu amigo Leandro de Marco me emprestou um cd do Pink Floyd que ficou meses comigo e eu nem me dei o trabalho de ouvir, porque já sabia que não ia gostar – ou pelo menos era isso que eu achava. Hoje é uma das minhas bandas favoritas. Mesma coisa com David Bowie. Fiquei com o Ziggy Stardust durante quase um ano e só ouvi uma vez. Depois de muito tempo que é que me deu o estalo da maravilha que eu tinha na mão – não lembro bem o que me fez olhar David Bowie com outros olhos, acho que foi assistindo o filme “Furyo – Em Nome da Honra”. Hoje também é um dos meus maiores ídolos. O mais recente de todos é os filmes do Senhor dos Anéis. Li todos os livros na época da febre, mas devo confessar que quando acabei o último não tinha mais paciência para tantos nomes. Ficava confuso em saber quem era do bem, quem era do mal e dizia que o tal Frodo e o tal Sam tinham é um caso gay secreto. Semana passada fui nas Lojas Americanas em um saldão de um dia. Em meio a vários produtos inúteis em promoção, achei algumas coleções de DVDs por preços baixos. Uma era a dos Senhores do Anéis. Seis DVDs por vinte reais, achei justo e comprei pelo curiosidade. Vi algum dos filmes no cinema, mas tenho certeza que dormi por não estar entendendo nada. Acabei de ver o primeiro filme e estou maravilhado. Realmente Peter Jackson, o diretor, e os atores fizeram um trabalho fantástico, obviamente também considerando toda a parte técnica, cenográfica, trilha sonora. Muito bom mesmo. Confesso que falava mal dessas coisas todas sem conhecer. O que é uma grande bobagem, certo?

Chega? Cansaram das minhas confissões? Eu devo ter mais coisas para falar, mas agora já esqueci. Vamos deixar assim por enquanto. Se lembrar de mais alguma que eu ache que valha a pena escrever, faço outro texto.

E você? Vai se confessar hoje?

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Strange Fruit

A minha relação com a música é extrasensorial, transcendental, pictórica e todas essas palavras bonitas que não tem, na verdade, nenhuma relação com o que estou dizendo, mas quis usá-las. A verdade é que o meu amor pela música não tem explicação exata, nem fórmulas, nem nada disso. Sou apaixonado por sons, texturas, vozes, instrumentos e tudo o mais que pode formar uma orquestra, uma banda, o elã que diferencia uma banda muito boa de uma banda fantástica.
Insisto na idéia de que nossas vidas deveriam vir com trilhas sonoras assim como nos filmes. Se algum dia resolverem fazer um filme sobre mim (com alguém estiloso como o Johnny Depp, é claro, ou mesmo o George Clooney, já que o meu cabelo fica cada dia mais branco), isso é algo que deve ficar bem claro e exposto no roteiro. Há anos que eu escuto uma música e penso em cenas em que ela poderia ser usada, histórias que poderiam envolvê-la.
Hoje mesmo voltava do centro da cidade para casa. Passei a última semana alternando entre ouvir o disco “Vamo Batê Lata”, ao vivo de 1995 dos Paralamas (principalmente a versão de "Meu Erro", com uma virada de bateria maravilhosa de João Barone) e o Acústico dos Titãs (principalmente a versão em espanhol de "Go Back", com Fito Paez, roqueiro argentino, de quem acabei comprando uma coletânea dupla). Dois discos ótimos que já ouvi milhares e milhares de vezes, mas que andava sentindo falta. Resolvi, porém, que colocaria o meu pendrive para tocar.
Alguns não sabem, mas a única frescura do meu carro – e isso eu fiz questão de ter – é um rádio bom. Não, bom não, muito bom. Ele toca até pendrive. Aí eu juntei vários discos que eu gostava e comecei a colocar em pendrives, até para perder o hábito de ficar andando com um monte de caixinhas de cd debaixo do banco. A maravilha é conseguir colocar 48 cds em um aparelhinho minúsculo!
Enfim, seguindo com a história, resolvi colocar o tal pendrive para tocar. Escolhi que ele ficasse no modo “Aleatório”, ou seja, tocaria uma música de cada cd ou de um grupo de cds; sabia que seria tudo, menos monótono. E deu-se a mágica. Percebi que minhas sensações e meus pensamentos são diretamente ligados ao que eu estou ouvindo no momento. E eu que adoro as coincidências – como às vezes estar pensando em uma música específica e ser exatamente essa que começa a tocar  – tenho por gosto me deleitar com o acaso.
Confesso que estava com dúvidas nos pensamentos, vendo coisas que tinha feito e que faria de novo, coisas que tinha feito e tinha me arrependido, coisas que não tinha feito e tinha me arrependido de não ter feito, enfim, pensando, pensando. E não é que a primeira música que toca é “Free to Decide”, do The Cranberries? Exatamente falando sobre ser livre para escolher, seguir em frente e tal e tal! Achei engraçadíssimo e fiquei rindo sozinho feito bobo.
A outra foi "Bewitched, Bothered and Bewildered”, gravação do último disco da grande Barbra Streisand (não achei a mesma para colocar no link, mas essa é tão boa quanto, ainda mais com a apresentação da Judy Garland!). Já me vieram à mente Nova Iorque e todos os filmes que eu tinha visto sobre a cidade, o livro de fotos que vi ontem e tantas imagens e sensações. Costumo dizer que não tenho lá muita vontade de conhecer os Estados Unidos, mas que não pensaria duas vezes em ir para Nova Iorque. Talvez eu seja só um romântico e seja ela uma cidade como todas as outras, mas eu tenho vontade de ir lá ver o que rola.
Depois veio “Vôo”, do segundo disco dos Secos e Molhados, primeira banda de Ney Matogrosso, carreira curtíssima, mas com dois discos que são simplesmente perfeitos. Lembrei do Ney dançando com seus plumas e rebolados escandalosos e corajosos frente à censura que tolhia a palavra de todas as formas de arte. E que eu só vi em fotos e documentários, já que não tenho idade para ter estado lá.
E por último, quase chegando em casa, veio o toque final. Nina Simone. Esse nome por si só já traz um sensação de lembrança de um texto lindo de meu amigo Fábio Blanc, em que ele iniciava a história citando uma das canções dessa mulher fantástica. A gravação que ouvi era da música que dá título a esse texto, "Strange Fruit".
A voz de Nina dilacerou o que eu ainda tinha sanidade. A letra falando de corpos negros balançando nas árvores como estranhos frutos com cheiro de carne queimada - uma clara alusão ao milhares de negros que foram queimados e enforcados pela Ku Klux Klan. Seu piano certeiro e suas notas inquisidoras foram espremendo o que me restava de paz. Foi algo tão fantasticamente maravilhoso que tinha que sentar e escrever.
Agora estou aqui, escrevendo no laptop, deitado torto na cama, com a roupa da apresentação do coral, com a voz de Nina ecoando na minha mente e pensando no amanhã.
Qual será a música do amanhã?

ps: Esse post está cheio de links, façam um favor a vocês mesmos e escutem e leiam todos! =)

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Desabafo

Às vezes eu gostaria de ter a habilidade de mastigar alguns dos meus pensamentos e cuspi-los longe para tirá-los de dentro de mim. Pensamentos malignos que só fazem envenenar o meu dia, a minha paz e sossego. Estou triste e estou com medo.
No silêncio do meu carro dirigindo na noite de minha cidade, meus neurônios e sinapses se movem em uma velocidade impressionante. Penso em textos, histórias, lembro de fatos, rio sozinho de coisas pelas quais passei nessa vida desregrada. Crio personagens e suas vidas, seus inícios, seus desfechos e seus intermezzos.
Alguém com quem eu me importo muito está doente. Poderia dizer que é meu cachorro e que estou preocupado com ele – isso não deixa de ser verdade, mas, no momento, falo de outra pessoa. Prefiro não citar nomes, nem fazer muitas referências explícitas – uma questão de auto-preservação – mas achei que devia escrever sobre isso, quem sabe assim meus pensamentos tornam-se um pouco mais amenos.
Tenho medo do que pode acontecer, sofro por antecipação. Eu sei que é algo tolo e que não deveria ser assim, mas não consigo ser de outro jeito. Tenho mantido o rosto alegre, a cara contente e sorridente – o máximo possível – mas é só saber da menor chance de algo ruim acontecer que já fico muito preocupado e ansioso.
Poderia ficar aqui enrolando, falando, falando, falando, mas sinto que esse não é o caminho. Nesse muito internético, fiquei com vontade de postar aqui. Esse texto – espero – não vai parar em nenhum dos meus futuros livros. É só uma postagem normal – o sentimento é que não normal, o medo é que não é normal, a raiva de isso estar acontecendo de novo é que não é normal.
Torçam por mim e por essa pessoa que eu tanto amo.

sábado, 14 de maio de 2011

25 Anos de História - Centésimo Post!

"Oh, my love
For the first time in my life
My eyes are wide open
Oh, my love
For the first time in my life
My eyes can see"
(John Lennon)

O torpor do álcool me traz à mente nebulosas lembranças. Tempos passados, presentes, amigos próximos, distantes, alegrias, tristeza, períodos de abandono de mim mesmo e retomada do caminho, todos significantes desse trapo de tempo chamado vida. É tudo agora parte de algo coeso, sólido, forte. Pela primeira vez em minha vida, meus olhos podem ver.
As músicas, letras, danças, livros, peças, deixam sua marca indelével nesse meu caminho tortuoso pelo viver. Ensinam e ensinaram-me a lidar com problemas, sorrir, sofrer, me dar e receber – e me achar.
Não dá mais para segurar no peito e o coração explode de felicidade. É uma felicidade que vem do fundo do ser e de um tamanho que eu nem sabia que existia. Abro os olhos e vejo que vivi por mais um ano. Tive chance de ouvir bobagens, ter aulas em conversas pretensamente sérias, rir, ficar bravo. Seja como for, tive mais um ano para viver.
Amigos distantes ligaram ou escreveram e fico maravilhado de saber que, mesmo estando longe – sem nos falarmos por tempos – ainda faço parte da vida daquelas pessoas, mesmo que como uma “obrigação” das redes sociais. Não acredito nisso, na verdade, acho que se me escreveram e/ou me ligaram é porque se importam comigo e gostam de mim.
Minha auto-estima é frágil, delicada, basta um gesto bruto para ser desfeita em pó de lágrima. Hoje, entretanto, foi um dia diferente. Recebi tanto amor, de formas tão variadas e verdadeiras, que minha vontade é beber toda essa energia que me foi passada e voar. “Eu preciso de um amor para me sentir feliz”, como canta Keith Richards. Sou querido, me sinto querido. Se tinha alguma dúvida, essas foram destroçadas no dia de hoje. Recebi mensagens que não esperava, recados em muito maior número do que eu jamais imaginaria para hoje.
Chega de falar de mim. Quero agradecer aos meus amigos, parceiros, colegas, familiares, pais, irmãos, por fazerem de mim um pouco de tudo o que vocês são. Sem vocês, não vivo. Não tenho medo de soar piegas, é a pura verdade. E eu tenho muita vontade de viver mais vinte, trinta, quarenta anos, e espero ver todos em várias curvas do caminho! Tenho muita honra de tê-los em minha vida!

PS: O dia foi tão bom que o fato do Pink Floyd ter se reunido pela segunda vez em 30 anos e o Steven Tyler ter lançado sua primeira música solo em mais de 40 anos de carreira só acrescentaram à minha felicidade!!

terça-feira, 10 de maio de 2011

Série: "Irritaciones" - parte 1

Para início de conversa, meus intrépidos, destemidos e valorosos leitores (escrevo assim mesmo, no plural, na crença de que milhares e milhares de pessoas irão ler esse texto), é necessário que saibam que sou uma pessoa calma. Relativamente. Nem sempre. Tenho acessos de fúria teatrais, saídas triunfais e frases banais. Como todo mundo, acho eu. O que importa é que sou, na maioria do tempo, calmo e sereno. Ciumento, neurótico, chato, podem dizer por aí, mas é tudo intriga da oposição.
Apesar dessa minha condição de calmaria, existem muitas coisas – pequenas e/ou por vezes vistas como desimportantes ou desinteressantes – mas que podem me irritar e muito. Penso em escrever esse texto já faz algum tempo e sempre me lembro de grupo de tirinhas do grande Angeli – pai da saudosa Rê Bordosa (se você sabe do que eu estou falando, certamente tem mais de vinte anos) – em que ele mostrava duas coisas que o irritavam e uma que ele adorava. Pensei em fazer o mesmo e escrever alguns textos com essa temática. Aumentei para quatro coisas. Três que me irritam e uma que eu adoro. Com sorte vocês se identificaram com alguma, algumas ou todas elas.
A temática do texto de hoje será lojas em geral, principalmente as de shopping.

1. Entrar em uma loja e ninguém te atender.

Tenho alguns amigos lojistas e eles podem se irritar com o que eu escrevo, mas primeiro preciso esclarecer. É claro que quando a loja tem poucos funcionários e eu vejo que estão todos ocupados, não tem problema. O que me irrita é entrar em lojas e os funcionários ficarem lá conversando, completamente ignorando minha presença. Eu geralmente saio da loja e vou comprar em outro lugar. E ainda olho bravo. E bufo.

2. Vendedor que fica na orelha tentando vender cinto de couro de girafa do Amapá.

Ou qualquer outro Estado/País. O que importa aqui não é o produto em si, mas a insistência. Veja, geralmente, comprar roupas é um evento na vida de um homem que deve ser rápido e certeiro. Usamos basicamente o mesmo tipo de cinto, camisa, calça, sapato etc. Não precisamos testar o novo sapato mega master plus power que a loja acabou de lançar. Não quero. Não precisamos de uma camisa de duas cores, com um cachecol que combina com a cor do sapato. Não quero. Não preciso de uma pasta nova feita de cérebro de macaco alemão. Não quero, raios! A insistência é o que nos faz querer esganar os vendedores todos... mentalmente.

3. A música que toca em lojas de departamento.

Quem me conhece sabe que não sou exatamente baladeiro. Saio com os amigos, vou a bares, shows, cinemas e tal tal tal. Ok. Não sou, porém, o tipo do cara que fica juntando dinheiro para ir em todas as baladas da cidade. Não sou. E não acho que isso seja um problema. Então por que toda vez que eu entro em uma dessas lojas, eu sou obrigado a ouvir essa música putz putz? Isso vai me sentir mais descolado? Mais dentro da moda? Mais... Mais... Mais o que, pô? Eu tenho dó dos atendentes. Alguns estão curtindo, mas tenho certeza de que outro preferiam ouvir pagode. Nesse caso tenho que admitir que prefiro a música de balada...

4. Encontrar cds, livros, discos fantásticos a preço de banana nanica. (Isso eu adoro!)

Eu assumo. Eu sou rato de loja. Se estou interessado – por exemplo, livrarias, lojas de cd, dvd e afins – posso ficar horas lá dentro. Checando as novidades, ouvindo coisas velhas, sonhando com as caixas que talvez nunca vá ter, os boxes de filme que eu queria, achando presentes para pedir de aniversário, natal, páscoa, dia das crianças (não custa pedir...). Algumas vezes as lojas fazem saldão ou então colocam um monte de coisas em gôndolas de preços baixos. Eu me comporto feito mulher em feira de artesanato. Quero comprar tudo, tudo pode ser interessante, tenho milhares de idéias de presentes e vai vai vai. As pessoas já sabem disso e ninguém me acompanha. Ou então vão fazer outras coisas enquanto eu fico lá pirando nas descobertas. Acho que pela minha paciência e determinação ao olhar produto por produto, às vezes os deuses do consumo me presenteiam com alguma raridade: um livro super legal barato, um cd que eu estava procurando, um filme que eu nem sabia que tinha saído em dvd. Não titubeio e compro. Afinal, não é sempre que ganhamos presentes dos deuses, certo?

Bom, esse foi o primeiro da série. O próximo virá talvez na semana que vem, nunca se sabe, e será sobre trânsito. Comente, compartilhe suas idéias comigo. Um grande abraço para meus fiéis leitores!