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terça-feira, 5 de julho de 2011

Maço

Eu sempre achei que para ser um escritor eu precisava de um pouco de inspiração, pose e muitos, muitos cigarros. Sabe aquela coisa de filme? Um estúdio, uma ou duas máquinas de escrever, quiçá até um computador ou laptop, vários livros em volta, bibelôs comprados em viagens aleatórias e os pés para cima. A fumaça dos cigarros ininterruptos fazendo formas pelo ar, círculos, espirais e sei lá mais o que. Fui chegando a conclusão de que talvez aquela fumaça é que fosse a real inspiracão e que por isso talvez eu não tivesse escrito nada que o valha como literatura, ou pelo menos não na minha concepção e meu senso crítico tão severo quanto um professor de matemática dos meus pais e avós.
Eu não sei se era verdade, mas há anos que ouço histórias de professores que colocavam alunos de castigo ajoelhados no milho com o chapéu de burro na cabeça ou então que davam reguadas nas mãos de moleques sem educação. Devo confessar que já tive vontade de fazer coisas assim quando trabalhei com adolescentes, mas nunca o fiz. O máximo que fiz foi falar um palavrão em sala e isso já me deu uma dor de cabeça terrível. Os pais vieram reclamar, defendendo a moral e os bons costumes – fizeram discursos enormes e chatos como se estivessem todos nos pedestais da glória – mas bem eu tinha que agüentar a falta de educação de seus filhos. Calado, claro. Muito bonito. Babacas.
Enfim, voltando ao cigarro e as espirais de fumaça. Sou um anti-tabagista ferrenho. Não sou chato, respeito quem fuma e tal, mas não gosto. Do cheiro, principalmente. Fresco? Pode ser, mas não me importo. Não gosto e ponto final. Anti-tabagista sim, mas curioso. Me apóio na idéia de que não tenho tendência para vícios, o que eu acho que é verdade, visto que não tenho nenhum, ou sei lá, muito poucos – isso se você contar comprar cds como vício. Resolvi experimentar a pose para ver se me dava bem e se de repente aquele câncer em forma de palito abria a minha cabeça, mente, imaginação, seja lá o que for, de uma vez por todas.
Estava sim a fim de novas experiências, mas não queria que ninguém soubesse, porque eu sabia que iria ouvir o mesmo discurso que eu faço para todos contra o cigarro. Como era eu mesmo que fazia, já o sabia de cor e salteado. Esperei um dia em que a casa estivesse vazia, arrumei a mesa, comprei papel novo, tinta nova para a máquina de escrever, coloquei-a milimetricamente alinhada no meio da mesa e abri a janela.
Coloquei uma jaqueta preta, arrumei as meias no pé e peguei o carro. Parecia que estava fazendo algo errado e eu olhava para os lados o tempo todo. Fui até o posto de gasolina – como muita gente faz quando o objeto do vício acaba – e comecei a conversar com a moça do caixa.

- Eu queria um cigarro, por favor.
- Qual?

Qual? Como qual? Não sei qual? Já estou fazendo uma contravenção e ainda tenho que escolher uma marca. Me dá qualquer um aí. O politicamente correto apareceu em minha mente e eu dei uma resposta, digamos, estúpida.

- Eu queria um cigarro fraco.
- Fraco? Como assim fraco?
- Assim mesmo. Com baixo teor de nicotina, alcatrão, essas coisas.
- Ah, moço, eu não sei não.
- Não? Mas você vende cigarros todos os dias, não vende?
- Sim, moço, até vendo, mas as pessoas geralmente sabem exatamente o que elas querem. E, além disso, eu mesma não fumo.
- Ah.

Eu queria sair correndo dali, jogar a toalha e pedir água. Ela já havia me nocauteado, destruído e estava com o pé sobre a minha cara. Porém não se deu por feliz. E soltou o golpe fatal.

- Moço, você tem certeza que quer comprar cigarro? Você não tem cara de quem fuma e sinceramente nem deveria começar. Isso faz muito mal, moço, pode perguntar pro meu tio José. Ele está lá em casa esse mês sofrendo de dor no pulmão, a gente até acha que seja alguma coisa grave. Aquele velho é que é uma besta e não vai no médico.

E ela passou a dissertar sobre sua enorme família e todos os casos que conseguiam lembrar para me dissuadir de comprar o maço. Eu, porém, estava decido a ter a experiência e ponto final. Não ia ser a caixa de uma padaria que ia me convencer. Aliás, naquelas alturas, nem a Jennifer Aniston ia me convencer a não comprar o maço.
Comprei um maço preto, cheio de cigarros escuros, que pareciam cigarrilha e eram sabor limão. Ou menta. Ou eucalipto. Ou bafo de onça, algo do tipo. Comprei também o isqueiro, porque eu obviamente não tinha nenhum. Tudo isso por menos de cinco reais. Pensei que se ia fazer mesmo a contravenção pelo menos não gastaria muito dinheiro para isso.
Voltei para casa, sentei à mesa, escrevi qualquer bobagem nos papéis da máquina de escrever e parei olhando o maço e o isqueiro sobre a mesa. Abri o invólucro dos cigarros com muita ternura e retirei um deles. Deixei que meus dedos o sentissem, vibrassem, se tornassem parte dele e ele deles. Foi quase uma carga erotizada, bem mais do que consigo descrever aqui. O cheiro era bom, isso era muito bom, na verdade. Aqui entre nós – isso eu sempre achei. O cheiro de cigarro – não aceso – é bom. Talvez seja o cheiro da nicotina, do alcatrão, do papel, sei lá, mas é bom.
Fui até a janela porque tinha medo que a fumaça se impregnasse no quarto e eu tivesse que dar muitas explicações quando não estivesse sozinho. O dia ventava e algumas tentativas foram necessárias para que eu conseguisse ligar/acender/fazer o isqueiro funcionar. O primeiro cigarro foi gasto em teste. A fumaça já me enjoou e já me fez apagá-lo, tudo rapidamente. Tossi um pouco, lembrei de Hemingway dizendo para ser macho e continuei. Acendi o segundo e coloquei na boca. Mais tosse, mais ardência nos olhos e mais fumaça. Decidi ao menos tragar uma vez.
Foi uma experiência inesquecível. A minha tragada foi como ir ao inferno, dar um tapa nas costas do capeta e voltar. Acho que nunca tossi tanto na vida. Detestável. Contudo, eu me convenci de que não sabia tragar, é claro, nunca tinha feito isso, tinha mais é que tentar de novo.
Tentei de novo e quase tirei meus olhos da cara para eles pararem de doer. Ficaram tão secos e arderam tanto que tive que quase colocá-los em banho maria para ver se poderia os colocar de volta na cabeça. Estranha imagem, eu sei, mas foi essa a sensação.
Na hora, joguei fora o maço e o isqueiro no lixo. O maço inteiro. O isqueiro novinho. Cultuei aquelas duas coisas por um tempo. Ambas ficaram no fundo do lixo do quarto por um mês, sempre na idéia de tentar de novo em breve. Um dia joguei fora. De verdade.
Nunca mais coloquei um cigarro na boca. Faço charme com palitos de dentes, com lápis pequenos, com seja lá o que for, mas nunca com cigarro de verdade. Nunca mais.
Agora, dizem que o whisky é também um bom abridor de mentes. Acho que vou tentar.

4 comentários:

Laura disse...

Os pés sobre a mesa, pilhas de papel (ou livros) e a cortina de fumaça me lembram mais aqueles cenários noir...
Em sépia ou preto e branco... E a pessoa sentada no estúdio é um detetive e usa um chapéu... E um dia ainda morre de tanto de fumar e tomar litros de café pra manter a postura...
Pro seu caso, eu sugiro trocar o "(...) um pouco de inspiração, pose e muitos, muitos cigarros", por muita, muita inspiração e... Ah, aí o resto é toque pessoal e cada escritor tem o seu!
Me conte se o whisky funcionar, ok?! ;)

Luciano Pereira disse...

E charuto, já tentou? É elegante, dá um sinal de gangster e ainda por cima de riqueza (coisa que eu não tenho). Eu quase perdi o pulmão quando traguei um, mas quem sabe vc não gosta!

Maya Rossi disse...

kkkkkkkkkkkkkkk qse me matei de rir... mto bom!!Agora.. para vc.. creio eu que whisky será mais facil...

Karina Mochetti disse...

"A minha tragada foi como ir ao inferno, dar um tapa nas costas do capeta e voltar." hahahahahahahahhaha Hemingway e eu estamos rindo de você até agora esperando que você seja macho! :P