Caros visitantes,

espero que vocês divirtam-se muito lendo minhas palavras. Peço, porém, por ser esse um trabalho independente, que não republiquem meus textos - inteiros, partes, frases, versos - sem minha expressa autorização. A pena para crime de plágio é dura, além de ser algo bastante humilhante para quem é processado. Tenho certeza que não terei problemas com relação a isso, mas é sempre bom lembrar!

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sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Devaneio

O casal entrou na padaria com caras de poucos amigos. Poucos, não. Eu diria raros, corajosos e bravos amigos. Sei lá se era verdade, mas eles estavam fazendo uma cara tão feia que nem te conto. Eu acho é que eles não tinham amigo nenhum, isso sim.
Estavam viajando, acho que voltando da praia ou algo assim, mas isso era apenas um chute. Não sei bem porque, mas eles estavam com aquela cara de quem foi a praia e estava chovendo, sabe? De quem comeu e não gostou? Cara de quem lambeu sabão, sei lá... Traziam o filho pequeno em um carrinho todo bem cuidado, tão delicado que era difícil crer que o casal e o carrinho pudessem estar no mesmo ambiente. Eles eram como pólos negativos, se repelindo o tempo todo – e isso que o carrinho não tinha nada de positivo – acho que nem a física explicaria aquele fenômeno. Eu não entendo nada de física, mas o máximo aquela coisa de quântica, não quântica, orgânica, inorgânica, sei lá eu.
O pai chegou falando alto, esbanjando moral e vomitando autoridade. Os garçons estavam assustados e ninguém queria atendê-lo. O dono da padaria veio resolver a questão e a mãe começou também a brigar, dizer que o local era péssimo, a pior padaria do mundo, que eles já tinham viajado o mundo todo e que ela sabia o que estava falando, que aquele lugar não valia nem um saco de bosta de camelo. Ela também gostava de esbanjar, aparentemente, arrogância, no caso.
E eu continuei tomando meu café com leite placidamente. Eles lá se engalfinhando e eu só assistindo. Se desse briga, eu entrava no meio para apartar, mas enquanto era só pavonice eu nem quis sair do meu lugar. Olhei a criança – um bebê fofo desses de cartaz – e ela sorria, alheia a tudo. O mundo dela parecia muito divertido. Ela estava bem e exalava felicidade, apesar da raiva que embebia seus pais. Ela era feliz – mesmo com pais loucos como aqueles – e era responsável pelo amanhã. Essa criança vai crescer e pode até virar uma pessoa do governo, importante, um empresário bem sucedido, não sei.
O que sei é que aquele sorriso em meio a briga me fez bem e me fez crer que o amanhã vai ser bom. Crianças felizes mesmo nas adversidades podem dominar o mundo.

Quero crer em um amanhã que seja bom. Sempre. Principalmente no fim do ano.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

A Cantora de Ópera

A cantora pousou as flores na mesa de seu camarim. Eram rosas vermelhas lindas que lhe haviam sido entregues por um admirador secreto, bem ao estilo de filmes de mistério. Os fãs, extasiados, tinham acabado com seus últimos restos de energia. Agora – sentada em sua cadeira de madeira indiana – olhava-se no espelho e sorria. A ópera fora um sucesso. Crítica e público. Os maiores jornais da capital falavam de sua performance, igualando-a à de Maria Callas, Monserrat Caballé e tantas outras. Achava que os críticos exageram um pouco, mas não podia conter a felicidade.
Ouviu o ranger da porta e assustou-se. Virou para ver um estranho homem vindo em sua direção.
“Acalme-se, senhora, sou apenas um velho amigo, por assim dizer, um fã. Chamo-me Arthur Katmadavos. Como vai?”
“Estou bem, estou feliz, acho que agradei, não foi? Ouço meus fãs gritarem meu nome e suas vozes se multiplicarem. Isso me deixa extasiada, mas a que devo a honra de sua visita, senhor Katmadavos?”
“Gostaria de conversar com a senhora sobre negócios, cara Prima Donna. Veja, estou começando um teatro novo aqui em Paris, é um novo conceito. Eu e meu grupo achamos que o gênero ópera está um pouco ultrapassado e os homens não se interessam por ele, somente mulheres e afeminados.”
“Que horror! Como pode fazer tal afirmação logo após ver o sucesso de minha produção?”
“É um sucesso agora, senhora, mas posso garantir-lhe que não passará de uma semana. É um suicídio artístico.”
Ela ficou intrigada. O que aquele homenzinho de casaca poderia oferecer-lhe? Ela era, como todas as primas donna, viciada em sucesso e fama e glamour e sempre queria mais e mais ser conhecida e amada por todos. Foi até a penteadeira, acendeu um cigarro e soprou a fumaça no rosto do convidado inusitado.
“E o que tens para me oferecer então, caro homem?”
“Fama, sucesso e glória, que sei que é o que procuras, senhora, e algo mais se não aceitares minha proposta.”
        “Explique-me sobre esse espetáculo”, disse ela, fazendo círculos com a fumaça.
“É bastante divertido e chamaremos de ‘Vau de Ville’. As moças – sim, várias – se vestirão com roupas atraentes e cantarão. Mais de uma vez levantarão as saias para que os homens vejam suas intimidades. Garanto que isso fará de nós uma dupla de sucesso. Ter uma artista de vosso quilate em nossa produção é tudo o que precisamos. Quanto mais bêbados virem mulheres nuas – ou quase nuas – mais pagarão por isso! É uma idéia genial! E deixe de lado essa bobagem de ópera”
“Como ousa me fazer tal proposta? Pensas que sou uma prostituta para me mostrar-me desse jeito? Retire-se já! Indecente!”
E ela foi em sua direção para enxotá-lo do quarto, mas o homem já estava esperando essa reação e ele segurou seus braços, não com força, mas firmes.
“Acalme-se, senhora, é uma proposta válida! Seria vanguardista, eu sei, mas tenho certeza que em muitos anos seríamos alçados aos pilares da glória, como já lhe disse!”
E ela, furiosa, tentava desvincilhar-se de seus braços fortes, mas ele a mantinha muito próxima, com suas bocas quase coladas. E ele lhe deu um beijo forçado, dolorido e disse:
“Quero que sejas minha. Pouco importa o que fazes, quero que sejas minha. Falei aos guardas que entraria aqui para fazer-lhe uma proposta, mas na verdade queria estar perto de ti. Fui eu que lhe mandei as rosas, sou eu seu admirador secreto. Perdoe-me por minha proposta indecente, mas ainda acho que poderíamos ter sucesso com isso.”
Ela estava chocada, sem reação. Um homem havia invadido seu camarim, feito-lhe uma proposta horrível e beijado-lhe em pouco menos de quinze minutos. Seu coração palpitava e seu ar era rarefeito. Aquele homem era estranho e a simples visão dele causava-lhe asco.
“Não quero nada com o senhor, ponha-se daqui para fora! Ou chamarei os guardas!”
“Acalme-se, senhora, lembre-se que ainda tenho outra surpresa caso não me aceites”
“Não lhe quero, estúpido, quero que saias daqui imediatamente! Rua! Rua para dementes! Rua! Suma!” E ela berrava e berrava.
“Não gostaria que fosse assim, mas a senhora não me deixa escolha”
E ele, gracioso e cruel tal qual um cisne negro, tirou do bolso um pequeno punhal prateado e apontou para ela.
“Se não serás minha, não serás de mais ninguém e viverás para sempre na escuridão.”
Os olhos dela esbugalharam-se. O medo arrepiou-lhe os cabelos. O homem veio com força em sua direção e segurou suas duas mãos para impedi-la de agir. Usou o punhal para cortar as alças de seu vestido, revelando seu corpo inteiro. Com um soco, ele a jogou do outro lado da sala. Agarrou-a pelos cabelos, dizendo:
“Levanta-te, vagabunda. Pensas seres tão importante e onipotente a ponto de zombares de um mago poderoso? Sou senhor de muitos poderes e, como gatos, gosto de brincar com minha presa, antes de devorá-la”
O homem, agora com uma altura diferente e feições tão estranhas, vindas não sabe-se de onde, tornara-se outra pessoa. Sentou na cadeira de madeira indiana e passou a usar seus poderes para controlá-la. Fez com que ela cantasse para ele, dançasse para ele. Usou de sua força para que ela lhe desse prazer, um prazer violento, sujo e forçado, mas que pareceu satisfazê-lo. E ele ria. Dava tapas nos seios dela e ela chorava.
Chorava tanto que o irritou e ele lhe arrancou a voz. Ela desesperou-se ainda mais, tentou correr, tentou fugir, mesmo nua, não se importava, mas as portas estavam trancadas por dentro e ninguém parecia ouvir seu martírio. Rezava a Deus e perguntava porque ele a fazia sofrer tanto, mas até Deus parecia calado e distante.
Quando cansou-se, o senhor Katmadavos, agora transformado no diabólico Kripkato, o mago, teve um único ato de compaixão. Deixou que a cantora escrevesse uma carta de despedida ao seus fãs e matou-a com o punhal cravado em sua garganta.
Ela foi encontrada nua, no chão de seu camarim, com o punhal na garganta e  foi levada ao cemitério por funcionários da ópera. Foi venerada por milhões em seu funeral.

Corrente

Um dia ele saiu de casa e não voltou. Disse que ia comprar cigarros no bar da esquina e não voltou. Não era longe, ele deveria estar logo de volta pra casa, mas não veio. Ela andou pela casa, olhou os quartos, os retratos todos expostos na mesa de madeira da sala. Os filhos já eram criados, todos trabalhavam longe. Seus filhos já tinham filhos e eles, claro, netos.  O cabelo dela nunca ficava branco graças a uma amiga que tinha uma tinta mágica lá no salão. O troço tinha um nome estranho, só podia ser coisa de mágico mesmo, “Kesting”, “Casting”, ela não sabia bem, nunca fora muito bem nas aulas de inglês da escola da igreja.
Ficou acordada a noite toda, esperando. Respirava ansiosa, nervosa. Ela não gostava muito de respirar, aquilo a fazia parecer viva e ela estava quase morta de saudade. O tempo passou, as horas se martelaram em minutos e segundos. Os ponteiros do relógio da sala pareciam carregar o peso do mundo inteiro. E ela não sabia de nada.
Deu uma semana. Um mês. Vários meses. Os filhos procuraram em todos os lugares possíveis, ligaram para a polícia, pros amigos, pros bares, pras escolas, bancos, prefeituras e nada. Nem traço, nem rastro, nem cheiro. Nada.
As buscas foram se tornando escassas, era difícil procurar uma pessoa que não deixara nada para trás. Não havia pistas, nada que levasse ao sumido. Os netos choravam, os filhos lamentavam e ela segurava a barra de todos, com um sorriso cinza no rosto. “Ele vai voltar”, dizia ela, “eu sei que vai”. Ela rezava para Nossa Senhora Desatadora dos Nós e Santo Expedito com fé fervorosa. Rezava por ele, pelos filhos. E nada.
Um dia ela também saiu de casa e foi procurar por ele nesse mundão de Deus. E nunca mais voltou. Parece que os dois foram engolidos pelo nada e depois de um tempo pelo véu do esquecimento.
A casa foi vendida, pintada, reformada e uma nova família foi morar lá. O pai era um trabalhador sério, competente, querido por todos.
Um dia ele saiu de casa e não voltou. Disse que ia comprar cigarros no bar da esquina e não voltou.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

"Se você olhar bem para o teto, perceberá uma rachadura. Há uma rachadura no teto. Nunca havia parado para vê-la. Ver a rachadura. A vida nos leva por caminhos tortuosos e falta de tempo que nem olhamos para cima. Vida. Eu até tinha uma vida. Uma vida cheia de compromissos, de afazeres, de vida enfim. E agora...
Eu era feliz, contente, ria de tudo, mas agora as risadas morrem nas sinapses cerebrais, nem chegam ao rosto. Este rosto sujo que nem me lembro mais, senhores. Nem sei ao certo porque isso acontece agora, nem sei mais porque e como alguém poderia esboçar sorrisos frente ao grande nada que é a tal vida. Trancado nesse quarto escuro, as lágrimas são minhas mais assíduas companheiras. Escorrem pela face e pingam no chão, formando uma coroa. Eu lembro de fotografias feitas em preto e branco que mostravam esse fenômeno natural. Tinha visto em um livro da escola, eu acho, que sei eu.
Essa cela é escura. Meu refúgio é uma mesinha de madeira podre e um bloco de papéis amarelados que uso pra escrever. Foi o que consegui. Aqui as regras são restritas. Nada de diversões, nada de arte. Se o diretor chefe soubesse que eu já fui artista, talvez me colocaria mais isolado ainda do mundo. Eu era poeta. Achava o amor maravilhoso. Agora nada me salva. Eu acho que os poetas só escrevem se estiverem felizes. Mesmo os que escrevem os mais tristes poemas deviam estar tristes. Parece que é impossível escrever sem beber grandes goles da tristeza que nos permeia.
Mandaram me prender. Eu acho que incomodava algum figurão. Nunca vi a justiça funcionar nesse país. Antes de ser preso, eu vi ser solta uma menina tão bonita quanto cruel ser solta, mesmo sendo assassina confessa do assassinato dos pais. Mesmo assim, solta.

E eu?
Preso.

O carcereiro está batendo na grade da cela. Acho que é hora da comida ou algo que pareça com comida. Uma massa de arroz com batata e traços de carne. Eu estou tão isolado que minha cela tem, além de grades, uma grossa porta de ferro. Só posso ver o mundo através do buraco da fechadura. Não sei porque fui preso. Só fico a chorar e soluçar e escrever. Nada mais. Durante toda a minha pena. Qual? A eternidade. Preferiria morrer. Mas sei lá eu."

Há alguns anos, comecei a escrever uma peça de teatro que se chamaria "Caminhando". Estudávamos o período da ditadura no Brasil e eu pensei que poderia escrever algo sobre o período. Fiz pesquisas, li relatos, vi alguns vídeos e, claro, ouvi muita música. No fim das contas, outra pessoa acabou escrevendo o texto. Vi-me então com uma peça começada e levemente delineada. Sem fim. Escrevi também algumas canções para o espetáculo, sendo que duas delas foram de fato usadas. A peça fez sucesso nas suas - duas - apresentações. Hoje revendo esse material, vejo que as canções não são assim tão boas quanto eu achava, mas isso é normal. Esse texto, porém, tem algo que ainda me cativa. Acho que está mal escrito e clichê, mas me chama a atenção por algum motivo. Ainda vou voltar a esse assunto e criar um espetáculo interessante! "Caminhando" é, claro, homenagem à canção de Geraldo Vandré que conclamava os brasileiros a caminharem e cantarem e seguirem a canção, pois eram todos soldados, braços dados ou não.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Chave

Eu te amo porque você me olha
e quando eu te olho de volta
você sorri
e meus olhos brilham
e a sala resplandece
e o mundo parece mais belo
e eu tiro do seu sorriso
a força para seguir nessa vida louca vida

Eu te amo porque você me descobre
me procura, me acha
me entende
e me explica pra mim mesmo

Eu te amo porque você entra no meu mundo
sem a chave da porta
você invade os espaços todos pela janela
faz seu trono, cetro e capa de princesa
e eu deixo e adoro

Eu te amo porque fazemos planos
planos de vida juntos
e estamos juntos
sempre juntos

Eu te amo porque você ri quando eu faço palhaçada
e eu amo a sua risada
meio engasgada, de tanto que ri
e eu amo te fazer rir

Eu te amo porque você fala
e me conta histórias
e eu escuto, atento
e fico imaginando as coisas todas que você conta

E escuto músicas e vejo filmes
E quero te contar minha vida inteira
e os livros, discos, poemas que já li, vi, vivi

Eu te amo porque eu amo
Eu te amo e pronto
Eu te amo e nada mais importa.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Visita

Pode entrar
Senta
Eu faço um café
Me conta dos teus sonhos perdidos de felicidade

Novamente sozinho, amigo?
O que foi dessa vez?
Controle demais? Intrigas demais? Juras demais?
E aquela velha história de deixar
                [ a vida levar era balela
                             [ de quem tem medo
                                           [ de amar de verdade?

Entendo que você não queira falar sobre isso.
Deve doer, né?
Pegue ali aquela xícara que você gosta no armário
O pão e a manteiga estão no fundo da geladeira, como sempre
A torradeira está pra lavar.

Sobre mim, digo que estou bem
Você, na sua dor, talvez não queira saber
Mas eu tenho que falar

Eu queria pintar em todos os muros a minha felicidade
Achei minha cara metade
E agora vivo um carnaval de emoções e ebulições
E me sinto vivo, amigo

Sorrio por nada
Rio de tudo
Grito músicas na beira do mar
Não quero mais dormir com a solidão

A minha dor tinha mesmo que acabar
Já sofri a dor de vários

Quero alegrias, filhos, casa, violões
Quero ela e ela sabe quem é

Não chore, amigo, a vida é boa e ainda vai te fazer cantar

Eu sou sortudo, eu sei
Você também vai ser, eu acho

Não vai, fica
Fiz aquele bolo de chocolate ontem
Aquele que você gosta

Seque as lágrimas na toalha do banheiro


Sente no piano e vamos cantar.