Caros visitantes,

espero que vocês divirtam-se muito lendo minhas palavras. Peço, porém, por ser esse um trabalho independente, que não republiquem meus textos - inteiros, partes, frases, versos - sem minha expressa autorização. A pena para crime de plágio é dura, além de ser algo bastante humilhante para quem é processado. Tenho certeza que não terei problemas com relação a isso, mas é sempre bom lembrar!

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quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Uma noite qualquer

Abriu a gaveta e viu que os maços de cigarro tinham acabado. Esticou o braço até o fim para ver se nenhum deles tinha deslizado para aquele canto (presentes em todos as gavetas do mundo) onde tudo desaparece. Não. Nada. Pegou seu casaco, vestiu. Estava meio amafanhado, mas não tinha problema, era só uma saída rápida. Olhou sua mulher dormindo no sofá felpudo da sala de tv. Ela segurava firmemente o jornal com a programação e sonhava, com dias melhores possivelmente. Só tinha certeza de que ela segurava o papel com a convicção dos condenados.
Abriu a porta e saiu, regozijando-se com o frescor da noite. Iria descer a rua, parar no bar da esquina e comprar cigarro. Já era de meia idade, tinha o direito de ter um vício. Esses novos jovens babacas com seus papinhos tolos de que cigarro faz mal, dá câncer e todas essas baboseiras. “Que se fodam todos eles”, pensava. “No meu tempo, o povo não ficava dando muita opinião sobre o que os outros faziam. Todo mundo cuidava da sua vida e pronto. Não tinha essa de politicamente correto. Oras, agora tudo pode ser motivo de processo? Queria saber que foi o filho da puta sifilítico que inventou todas essas porras.”
O bar era o de sempre: bêbados espalhados, cada um contando sua história; prostitutas em volta, tentando sem muito sucesso arranjar um programa que valesse a pena continuar naquele bairro acabado; mulheres machonas, cuja principal diversão era arrasar os incautos em jogos de sinuca. Renato olhou em volta e se dirigiu ao caixa. Pediu dois maços de cigarro forte, de alcatrão, coisa pra homem mesmo, não essas bichisses com filtro. Deu um tapa na bunda de Meire, uma das garotas da vida, e disse que ela estava muito gostosa. Ela fez um muxoxo e riu-se: “vai a algum lugar, patrão? Por que não fica?”, e se roçou nele, oferecida. “E eu lá vou perder meu tempo com puta de bar, Meire? Vá procurar outro!”. Ela retirou-se, ofendida, mas não muito.
No caminho de casa, sentiu uma queimação no peito e parou. Sentou-se em uma pedra e ficou lá, jogado, tentando respirar. Pensou que, se morresse, ninguém sentiria sua falta. Teve falta de ar. Enquanto lhe faltava o ar, Renato jogava fumaça nos pulmões pra ver se melhorava a situação. Nada. Nada tinha deixado pra ninguém. A casa era dele, os livros também – poucos, é verdade, mas bons. As outras propriedades todas tinha vendido para pagar os luxos da mulher, que agora mais parecia um saco de banha de porco. Tinha vontade de fugir daquela vida, daquele buraco onde morava. Achou que fosse morrer.
Tragou o ar bem forte e tossiu como um doente do peito – ele mesmo talvez fosse um doente do peito – e levantou, para depois cair de tontura e bater a cabeça. A pedra do chão fez um estrago em sua testa. O sangue escorria, vermelho como o sol do crepúsculo e quente como o inferno. Resolveu ficar lá jogado para morrer. Ninguém sentiria sua falta.

Ninguém sentiu sua falta. No dia seguinte, removeram o corpo, que foi enterrado como indigente, já que a mulher não tinha dinheiro para dar-lhe um caixão apropriado. E se tivesse, também nem se preocuparia com isso.

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