Caros visitantes,

espero que vocês divirtam-se muito lendo minhas palavras. Peço, porém, por ser esse um trabalho independente, que não republiquem meus textos - inteiros, partes, frases, versos - sem minha expressa autorização. A pena para crime de plágio é dura, além de ser algo bastante humilhante para quem é processado. Tenho certeza que não terei problemas com relação a isso, mas é sempre bom lembrar!

Protected by Copyscape Online Copyright Search

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Plácido Domingo (Homenagem)

José Plácido Domingo Embil, ou simplesmente Plácido Domingo, completou 70 anos no último dia 21. É um dos maiores tenores da história. Ele certamente nunca deixa de me surpreender, sou um grande fã. (só para mostrar um pouco dessa "fanzice" - você sabia que Plácido é o tenor com o maior número de papéis em óperas? Sim! São 128!! Um número incrível!)

Essa ária é da ópera "Pagliacci", de Rugero Leoncavallo, e uma das minhas favoritas! Quem canta é Canio, um palhaço que faz o papel de marido traído e descobre, durante os ensaios, que é traído também na vida real.

Diz a letra:

"Recitar,
enquanto tomado pelo delírio
não sei mais aquilo que digo
e aquilo que faço.

Todavia é necessário. Esforça-te! Vai!
És tu talvez um homem?
Tu és Palhaço.

Veste a roupa
e faça a maquiagem no rosto.
O povo paga
e quer rir aqui.

E se Arlequim
te rouba a Colombina,
ri Palhaço
e todos aplaudirão.

Transforma em piadas
o espasmo e o choro,
numa careta o soluço
e a dor.

Ah! Ri Palhaço,
sobre o teu amor partido.
Ri da dor
que te envenena o coração!"

Plácido Domingo canta a ária "Vesti la Giubba".

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Mano

Pedro
Quando me deixa olhar pra você
Eu me sinto livre como um equilibrista
Que se larga no infinito, sem medo

Oh, Pedro
Não consigo imaginar minha vida sem ti
Você é o meu irmão, colibri

E quando a gente conversa não se ouvem palavras
Esses seres que ferem e curam, inexatas
Você me ouve e fala com o coração

Eu faço de tudo, pulo das asas de um avião
Só pra entrar no seu mundo, denso, profundo
Mas que deve ser lindo e você está sozinho
Como eu queria estar dentro dele com você

Oh, Pedro
Será que você é capaz de amar?
Eu quero pensar que sim
E peço que você ame a mim

Se os olhos são as janelas da alma
Tenha certeza disso:
Tuas persianas estão abertas
Um dia eu ainda abro os vidros.


Para Pedro Jacques Maciel, meu irmão autista, escrito em 2004.

I Slept with Silence

Yesterday I slept with Silence
And he is a very cold man
His eyes cut me in pieces
And I enjoyed it
How bluntly he was faking his orgasm
(I didn’t know guys could do that)
And yet he was pretending to be the leader in that bed that was mine
I woke up, he was gone
Dancing on the air with some musical chick
And I made coffee with clouds
In the kitchen, the knives all set
The door rang; she was there, her face melting
And I said: “Come on in, grab a slice of bread”
Today I had breakfast with Loneliness
And we talked about the years rushing through my face
And all the blood that build my history
And how sad she was
(She told stories that I couldn’t believe)
My house was white, cold
Winter made it its home
Calling the frost as companion
(and they spent a long time bitching about me)
and I dragging behind.
Somebody said: “your girl is coming back”
I got happy
From my eyes I saw the colours going back to their places
And I was happy
And I was happy again
when my man opened the backdoor and got in.
Escrever em inglês, criar em qualquer outra língua - acho eu - é um exercício interessante. Por gostar muito de inglês, sempre me vi tentando escrever algo o mais próximo do que um nativo escreveria. Alguns textos e poesias. É claro que são apenas testes, com o intuito de me divertir, basicamente, =) Exponho aqui uma dessas poesias para que vocês vejam e me digam o que pensam sobre ela. Aproveito o espaço para agradecer as visitas que tenho recebido diariamente!

Gostaria, porém, de pedir - se não for muuuito incômodo - que vocês me escrevam alguma coisa! É muito bom saber o que vocês acharam das minhas histórias!

Um grande beijo a todos!

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Só Por Um Segundo

"Foi só por um segundo
Todo o tempo do mundo
E o mundo todo se perdeu
Eu vi quando você me viu
Seus olhos buscaram nos meus
O mesmo pecado febril"

(Cláudio Lins - "Cupido")

E eis que de tarde ela passou por mim. Eu estava brincando com a areia da praia aos meus pés e só notei duas pernas passando bem perto da minha cadeira. Levantei os olhos e vi uma moça que de longe era bonita. Não vi seu rosto, pois quando ela estava perto, eu estava entretido com meus dedos dos pés.
Eis que ela fez o caminho até a praia, vagarosa, modelo, tranqüila. Parecia estar em uma passarela da moda. Um pé graciosamente colocado em frente ao outro, certeiros. Ela sabia o que fazia.
Fiquei olhando, descaradamente. Chegou perto do mar, agachou-se, pegou uma concha, levantou, examinou-a, viu que não era tão bonita quanto gostaria, jogou-a de volta. Fez os mesmo movimentos repetidas vezes. Eu já estava encantado com aquela graça toda. Depois passou a andar de um lado para o outro, como em uma dança e eu tive a impressão de que a dança toda era para mim.
Estava olhando tão fixamente que me assustei quando ela olhou de volta. (Ou pelo menos eu achei que ela tinha olhado). Forcei os olhos para tentar ver seu rosto, mas foi difícil. Esperei que ela voltasse para onde tinha saído. Eis que ela não fez nenhum movimento, não abanou, não gritou, não se mexeu. Apenas ficou lá, deixando-se ser olhada. E eu amei aquele momento.
Imaginei que talvez tivesse sorrido, mas não tive certeza. Não sabia nem mesmo se eu estava sorrindo. Já não via mais nada.
Depois de um tempo, ela veio em minha direção. Reta, direta. Eu tremi na cadeira. Não fazia idéia do que eu ia falar ou fazer ou que atitude tomar. Deveria eu começar uma conversa? Ou esperar que ela falasse algo?
Veio tranqüila como tinha ido. Seguia-a com os olhos. O rosto era muito bonito, ainda mais bonito do que eu havia imaginado. Que maravilha seria se ela viesse falar-me, mas não veio. Ela passou por mim, abraçou o namorado, beijou-o, deram-se as mãos e foram embora.
E eu continuei ali, vendo a maré subir e o sol se pôr.

sábado, 8 de janeiro de 2011

Vila do Pecado











para Dalton Trevisan

Ele corria, corria, corria e corria. Estava no bar, troncho, quando ouviu conversinhas sobre as guampas que deixava crescer. Sabia que tinha virado motivo de falatório daquela gente imprestável, mas não sabia o porquê. Com certa dificuldade e o álcool circulando o cérebro, levantou-se e disse:
“Quem for macho o suficiente para me dizer do que riem, que o faça nesse momento”, gritou, com voz forte e brava.
“Nada, não, senhor padeiro, só estávamos a comentar como o senhor conseguirá usar chapéus agora que vossos chifres estão a crescer mais e mais”, respondeu um dos moleques do vilarejo, insolente. O fazedor de pão estendeu a mão para dar-lhe um tapa, mas o menino foi mais esperto e saiu correndo, caçoando o velho.
Tacou o copo na parede e saiu do bar, gritando palavrões. Foi andando em direção à sua casa, pensando ser apenas futrico de gente que não tem o que fazer. A pulga que estava trás de sua orelha dava gargalhadas com gosto.
Ficou um pouco cansado – afinal, estivera bebendo e não era água – e encostou na parede da casa do senhor médico, que veio conversar. O doutor era mais jovem, mas, apesar disso, o padeiro tinha um enorme respeito pelo profissional. Este veio examinar-lhe e disse:
“Senhor padeiro não deve correr desse jeito. Tenho certeza ser um ótimo exercício, mas com estas guampas gigantescas é capaz de enroscá-las nas árvores do caminho.”, falou-se, rindo. O padeiro enfureceu-se e meteu-lhe um soco no meio dos dentes. Ora veja um frangote falando assim de si. Malditos moleques.
Continuou a correr. Ele corria, corria e corria. Parecia que os olhos de todos que cruzava pela estradinha de terra estavam a olhá-lo (e isso, na verdade, era bem capaz de estar acontecendo).
Sua casa ficava em uma esquina, perto da Igreja. Ele gostava disso, alegando que o pecado nunca entraria em sua casa pela proximidade da Casa de Deus. Um padre novo havia sido enviado para o vilarejo depois do último ter sido acusado – e confessar – estar tendo um caso com um servente de pedreiro. A vergonha atingiu a cidadezinha e todos ficaram em penitência por um longo tempo.
O novo padre era de fato novo e alto e com cabelos morenos. Tinha saído do seminário não fazia muito e sua primeira paróquia era naquele fim de mundo. Fazia sermões bonitos, era muito solícito com todos que lhe pediam ajuda e, apesar de muito jovem, tinha, segundo as carolas, olhos fundos, sabedores, como se já tivesse vivido vidas inteiras. Logo tornou-se querido e passou a ganhar presentes com freqüência. Porcos, vacas, ovos, galinhas, tudo isso ficava guardado na parte de trás da Igreja velha, onde o padre morava.
O padeiro diminuiu o ritmo ao chegar perto da casa. Mesmo estando a alguns passos da morada, já conseguia ouvir os gritos. Eram gritos abafados, mas de prazer. Sua imaginação corria, corria e corria, tentava achar explicações razoáveis para os sons que ouvia, mas ele sabia o que estava acontecendo. Sua fúria só queria saber quem era o causador daqueles gritos.
Rodeou a casa e aguçou o ouvido para saber de onde vinham os gritos até chegar à porta dos fundos. Entrou vagarosamente, procurando fazer o mínimo de barulho possível. As tábuas do chão de madeira, que sempre rangeram, aquele dia colaboraram com o senhor padeiro e ficaram silenciosas.
Pelo espelho do corredor, viu dois corpos nus na cozinha. Sua visão, turva por todo o caminho, ficou muito clara e a bebedeira passou. Sua mulher estava nua, apoiada na pia e um rapaz atrás dela. O gajo metia-lhe por trás, com força, e ela arfava como uma puta. As mãos dela procuravam os cabelos do homem para acariciar-los e ele gostava. Beijava a nuca da mulher, dava pequenas mordidas e vez por outra, subia as mãos – sempre às ancas – para apertar-lhe os peitos como um capataz ordenhador. Ela era uma vaca e gemia a cada toque do infeliz. O senhor padeiro foi ficando vermelho, seu coração batendo forte e ele esperando para ver o rosto do homem. Resolveu ir até seu quarto.
Sentou-se à cama. Olhou o pequeno altar que a mulher tinha feito ao lado da cama. Ajoelhou-se, fez o sinal da cruz e rezou para Nossa Senhora perdoá-los todos pelos pecados. Procurou ficar calmo e rezar consciente, apesar dos gritos ultrapassarem as paredes da casa de pau-a-pique. Tirou a espingarda de seu pai da parede - onde ela ficava exposta -, procurou no fundo do armário a caixa de balas que guardava para seletas ocasiões. Carregou-a com dez tiros.
Foi em direção a cozinha e cada passo seu parecia ter o peso de quatrocentas rezes. As memórias vinham-lhe à mente, sem que ele pedisse. Estava irado, raivoso, corno.
A mulher gritava, deliciosa do momento, farta de prazer. O senhor padeiro chegou à porta da cozinha e ainda ficou olhando por um momento. O gajo dava tapas na mulher e cada tapa parecia provocar uma faísca e ela lá, desejosa de mais. Vagabunda.
O primeiro tiro acertou as costas do homem, que caiu, revelando enfim sua face. Era o padre! O padre!
Outros dois tiros atingiram a mulher, que caiu por cima do homem que havia, enfim, lhe proporcionado prazer – um prazer santo, digamos. Outros vários tiros acertaram lugares diversos, pois a cabeça do padeiro estava tonta e ele já não mais sabia o que fazia. O sangue brotava de onde os amantes haviam sido atingidos. Eles não mais gritavam. Agora quem gritava era o senhor padeiro, que afastou o corpo do padre, debaixo de infinitos palavrões e blasfêmias contra Deus, e pegou o corpo da mulher.
Sentou-se na poça de sangue que havia se formado e colocou a mulher, nua, em seu colo. Acariciou-lhe os cabelos, enquanto chorava e chamava-lhe de nomes feios. Agarrou seus peitos com a boca, deu tapinhas em seu rosto, tentou revivê-la, mas em vão. Tentou dar tapas na mulher, como o outro fazia, mas não tinha habilidade e as faíscas não mais apareciam. Deitou-se com ela no chão, em meio à sujeira de cascas de cebolas, pedaços de batata e cenoura e sangue.
Foi achado inconsciente algumas horas depois, pelos mesmos moleques que caçoaram dele no bar.
Os moleques riram-se dele e ficaram espantados de ver uma mulher nua assim de perto. Colocaram seus sexos para fora e os passaram pela boca, peitos e vagina da mulher, masturbando-se. O senhor padeiro acordou de seu transe e viu a cena hedionda.
Com um grito, pegou a arma e atirou a esmo as últimas balas, acertando um moleque na perna, outro no braço e outro bem perto dos olhos. Os três saíram correndo, topando com o carro da policia da cidade grande, que vinha investigar, chamados pela população. Foram levados ao hospital.
O pecado corria, corria e corria pelo mundo, achou aquela vila no meio do nada e se instalou, grandioso.

Minha amiga Gisele "querida" Imai, dona do lindo blog "Biscoito e Chá" me deixou um recado dizendo que esperava que meu estilo fosse mais para Rubem Fonseca, o qual muito admiro. Prefiro, entretanto, escrever histórias com final feliz. Gosto de finais felizes, apesar de saber que a vida não é assim tão boa para sempre. A pulga ficou atrás da orelha: "e se eu tentasse copiar o estilo de algum escritor que admiro e ver o que sai?". Escolhi então o conhecido Vampiro de Curitiba - o grande Dalton Trevisan. Sempre admirei seu estilo curto e arrebatador, com sua escolha de palavras cruas e diretas. Quantas vezes li e reli seus textos! E ele nunca gostou de dar entrevistas, dizendo que tudo o que precisavam saber sobre ele estavam nos contos, idéia e opção partilhada por Rubem Fonseca, que também nunca gostou de aparecer. Gisele foi minha colega em uma das escolas que trabalhei e encontrei nela uma pessoa muito viva, interessada, companheira e sempre, sempre se renovando, o que acho muito bonito. Fiquei muito contente de saber que ela visita meu blog e devo dizer - e repetir mil vezes - que o blog dela é lindo!
Nessa minha nova jornada, nessa nova estrada que não sei bem onde vai dar, desejo boa sorte a ela e ao marido, começando vida juntos (já faz um tempinho, eu sei, mas ainda é começo) e digo que quero tê-la em minha vida, senão mais como colega, agora como amiga!
Eu sei que o texto é forte para fazer uma dedicatória tão delicada, mas eu acho que vocês entenderam. Se não entenderam, procurem seus psiquiatras que eles explicam. =)

Fumaça



Ele estava sentado na sarjeta, fumando um cigarro barato. Bem no centro do distrito onde morava. Ao longe, velhos conversavam sobre futebol e bebiam cerveja direto de um barril aos goles. Alex era alto, moreno e tinha cabelos bastante desgrenhados. “Eu tenho mesmo que cortar esse troço”, dizia ele, mas nunca o fazia. Talvez, no fundo, ele achasse aquele não-corte um tanto quanto sexy. Talvez fosse preguiça mesmo, o que era mais provável.
De um lado para o outro as pessoas corriam, andavam, se arrastavam, cada qual no seu ritmo. Todos tinham suas tarefas e isso lhes era muito importante. Uma velhinha tentava carregar todos os seus pacotes de compras em apenas uma mão. Ela tinha feito a feira e havia esquecido de trazer seu carrinho de metal. Um senhor andava vagarosamente, apoiando-se em um bengala que parecia tão velha quanto ele. Os meninos andavam chutando lata pelas ruas e faziam daquilo seu jogo e passatempo. As meninas fofocavam sobre tudo e todos, com olhos curiosos observando cada movimento alheio.
Algumas crianças – coitadas – eram obrigadas a ficar em frente ao banco, à igreja e à loja de ferramentas fazendo caras de sofrimento para conseguir alguma esmola para ajudar no orçamento da casa. Tinham o rosto meio sujo e suado. Nem sempre os transeuntes colaboravam, mas elas não desistiam. Afinal, era melhor receber vários “não” e alguns “sim” do que voltar para casa sem nada. Elas tinham certeza que seu pai, sempre amoroso, haveria de lhes esperar com a cinta na mão e isso significava uns bons dias sem poder sentar sem que a dor da surra lhes atravessasse a espinha, de cima a baixo.
O dono do açougue vira e mexe parava de cortar suas carnes para pedir troco para o dono da venda. Eles não tinham muitos funcionários, ambos. Dizia-se que era tanto para não ter que dividir os lucros quanto por achar que ninguém faria o serviço tão bem quanto eles mesmos.
A senhora que vendia churros trazia o carrinho de sua casa bem cedo. O sol estava ainda a bocejar quando ela começava a esquentar o chocolate e o doce de leite que usaria para rechear os famosos doces. E as crianças, por sua vez, ficavam rodando o lugar em que ela costumava estacionar, esperando, ansiosos e gulosos.
Alex era jovem, forte de carregar sacos de farinha, cimento e batatas. Um tio seu havia lhe arrumado um emprego como faz-tudo no armazém do seu Anido. Ele descobrira então que ser um faz-tudo significava fazer tudo mesmo. Outro dia seu Anido tivera a pachorra de lhe pedir para escolher os ovos que ele comeria no almoço. E ele nem havia convidado Alex para almoçar! “Velho safado, o que é seu está guardado, pode esperar”, reclamara ele, com raiva.
Ele sempre dizia que andava com todos os seus pertences, sendo esses um relógio, que seu pai havia lhe dado antes de morrer e um anel, que estava na família desde não sabia quando. O relógio lhe servia muito bem, pois, apesar de Alex saber o horário olhando o sol (anos e anos de prática sem ter relógio nenhum), gostava de ver os ponteiros girarem. Já o anel dava-lhe um ar importante. Era de latão, bem simples, com detalhes circulares, mas era o grande tesouro do rapaz. E pronto. Nada mais era dele nesse mundo de meu Deus.
Em poucos minutos, as pessoas se multiplicavam em muitas. Era um distrito um tanto afastado da cidade grande, o que dava um ar de vila para tudo. Era mesmo uma vila que não podia se assumir como cidade por questões políticas de arrendamento, hectares e várias outras coisas com as quais Alex não se importava.
O cigarro já lhe queimava o dedo quando ele despertou de seus pensamentos. Jogou fora a bituca com um peteleco, levantou-se e limpou as calças com as mãos. De longe ele via o armazém e seu Anido fazendo contas na máquina registradora. Decidiu que não iria trabalhar naquele dia. O velho que se virasse sozinho.
Protegeu-se do vento com seu casaco preto de camurça inglesa. A tia Júlia havia passado um tempo na Inglaterra e resolvera trazer o tal casaco para o sobrinho. Coisa curiosa era Alex ter vários tios e tias, mas ser filho único e sem primos. Sua mãe e seu pai tinham vários irmãos e irmãs. Isso fazia com que Alex fosse protegido de vários deles, que davam-lhe, além de emprego e casaco, almoço, livros, discos, e até castigos, quando merecidos.
Foi assim sendo criado por todos e amando o distrito em que vivia. Mas naquele dia acordou com uma sensação estranha, como se algo muito diferente de tudo estivesse para acontecer. Se fosse supersticioso, até poderia dizer que os ventos estavam apontado para lugares diferentes e talvez seu signo e ascendentes estivem alinhados, mas Alex não acreditava em nada daquelas bobagens.
Desceu a rua principal com passos rápidos e certeiros, pois não queria que ninguém o interpelasse para perguntar-lhe porque não havia ido trabalhar. Esse era o grande problema. Como havia sido criado por muita gente, todos achavam-se no direito de cuidar da sua vida e isso metia-lhe raiva até a raiz dos cabelos. Não sabia aonde iria, mas sabia que não poderia ficar aos olhos de todos.
Cantarolando mentalmente uma velha cantiga de rádio, chegou a um entroncamento de ruas no qual nunca havia estado antes. Teria ele andado demais e chegado a outro lugar? “Que estranho”, pensou ele, “achei que conhecesse tudo por aqui como a palma da minha mão. Talvez tenha que olhar para ela com mais freqüência, pois não faço idéia de onde estou.”
As casas foram rareando, tornando-se mais velhas e abandonadas. “Minha avó sempre dizia que quanto mais longe do centro, menos as pessoas cuidam das aparências... Estava certa ela”. Sentou no banco da pracinha, tirou o casaco, colocou-o a seu lado e ficou parado por um momento. À espera. Sua intuição dizia que algo iria acontecer e ele resolveu dar asas à sua imaginação fértil. “Talvez a cidade seja invadida por alienígenas, como naquele livro. Pode ser também que os russos espiões apareçam interrogando todos atrás do grande James Bond. Quem sabe pessoas rodem por aí atrás de voluntários para fazer uma pirâmide humana.”.
Enquanto ria-se sozinho de suas hipóteses mais que enlouquecidas, Alex enfiou a mão no bolso do casaco para tirar mais um cigarro. Depois de acendê-lo, entreteu-se fazendo formas com a fumaça e dando risadinhas coloridas quando conseguia algo interessante. Quando aconteceu, ele estava tão distraído que demorou a notar. Da fumaça que se esvoaçava pelo ar, baixou os olhos para a rua e encontrou os dela. A moça descia a ladeira em direção à pracinha. Em poucos segundos, Alex já havia registrado cada pequeno centímetro de seu corpo.
Ela vinha com uma sandália, fechada nos dedos, calça jeans simples e uma blusa de alcinha preta. Os cabelos presos em um rabo-de-cavalo e óculos escuros, o que atrapalhava o rapaz, que queria ter visão completa daquela que descia a ladeira. O caimento da blusa revelava os contornos dos seios da moça e isso atiçava a mente de menino de Alex e ele precisou de um momento antes de tomar qualquer decisão de qual seria a reação que ele teria.
Magra, alta, rosto desfocado em pensamentos e passos retos. Assim era a maravilha que descia a ladeira. Vinha provavelmente de casa para comprar algo no centro do distrito. Talvez viesse visitar alguém, uma amiga ou algum parente. Talvez estivesse apenas exercitando as pernas depois de ficar horas em casa. Alex não sabia o que fazer e também não conseguia tirar os olhos dela. Sua angústia foi tornando-se cada vez mais insuportável, pois a moça aproximava-se mais e mais a cada segundo.
Ele apagou o cigarro no chão, chacoalhou a camisa, como se querendo que o cheiro em pó se tornasse para ser limpo apenas com chacoalhões, passou a mão nos cabelos e limpou a garganta. Mexeu a língua para conferir se todos os dentes estavam limpos e sorriu. A moça sorriu também, divertida. Ela não esperava tamanha preparação para uma reação tão simples e comum. As frases se formavam e sumiam na mente de Alex como bolhas de sabão e ainda não estavam prontas quando ela passou por ele e disse-lhe: “Olá”, com a voz doce de pássaros.
O rapaz sentou de novo no banco para se recobrar da visão e, como em um filme, viu a moça seguir seu caminho. Ficou observando-a subir a ladeira em direção ao distrito até que ela virasse a esquina.
Muitos pensamentos vieram à sua mente, temas variados, alguns sobre a efemeridade dos encontros na vida e também sobre o quão bela era a moça e também a dúvida se ela teria notado o sentimento que havia provocado em Alex. Pensamentos eróticos também se-lhe passaram pela mente e ele deu um sorriso malandro. Esses pensamentos se esfacelavam em vários outros menores, tudo muito rápido e ele teve um estalo. Ele tinha de ver a moça novamente, tinha de responder-lhe àquele “olá” tão suave e musical.
Se saísse correndo, a moça provavelmente se assustaria e ele também chamaria a atenção de todos, além disso com certeza uma das crianças acabaria por contar ao seu Anido o que Alex estava fazendo ao invés de estar trabalhando. Resolveu então caminhar e procurá-la, mas mantendo um passo tranqüilo. Quando os pés tentavam enganar o cérebro e correr, seus neurônios faziam com que fossem mais devagar, tudo isso em microssegundos.
Virou na mesma esquina que a moça havia virado, mas o que viu não era o esperado. Milhares de transeuntes passando de um lado para o outro e nem sinal da alcinha. Alex virou ruas, entrou em lojas, até no armazém – onde deixou seu Anido falando sozinho – chegou à beirada do rio, atravessou a ponte, procurou, procurou, procurou sem dar bandeira de estar procurando.
Todas as moças agora pareciam estar com a mesma roupa e ter o mesmo rosto. Ele precisava encontrá-la. Ele não conhecia seus rosto pois ela usava óculos escuros. Desesperou-se. O coração batia forte, descompassado.
A moça havia-lhe aberto mundos novos com aquele simples “olá” em uma praça afastada. E ela era linda, peitos e lábios, como diria Caetano – não sem um quê de malícia. Alex queria estar com ela só para ouvi-la dizer “olá”, com sua voz doce de pássaros em bando. Seu rosto, como era seu rosto?! Nem isso ele sabia, mas poderia propor casamento, fugir, abandonar aquele distrito, os parentes, seu Anido e tudo o mais. Ela não teria mais que andar tanto para fazer as coisas. Eles teriam uma casa no centro da cidade grande com um jardim na frete e as crianças pulando no quintal de trás - Norma, Lúcio e Dave, o caçula, sempre com seus cabelos espetados. Agora tudo o que conhecia era uma grande bobagem. Ele só queria beijar aquele rosto perfeito.
Depois de tanto tanto tanto rodar o distrito, sentou-se no banco da praça central e pôs a cabeça entre as pernas, derrotado. Devia ter sido uma miragem, uma alucinação. “Impossível haver moça assim tão bonita”, pensava ele, tentando se animar.
Pegou um cigarro, acendeu e pôs no canto da boca. Olhando para o chão, viu formigas coletando alimentos para levar para a Rainha. Uma formiga levava um pedaço de folha três vezes o seu tamanho. Deixava cair vez ou outra, mas não desistia. Era uma força e coragem além das forças do pequenino animal, mas o seu foco era absoluto. Era seu dever e a formiga o fazia com vigor. Aquilo deu um novo ânimo ao rapaz e ele, em um ímpeto de bravura, ficou de pé.
Ao longe, observando-o, estava a moça. Ele ficou estático. Ela veio em sua direção e ele apreciando cada movimento. Ela também estava com cara de quem andava procurando algo.
Ele tentou formar alguma frase de efeito, mas ela fez um sinal com a mão para que se calasse. Estendeu um cigarro e disse: “Tem fogo?”. E naquela pergunta e na conseqüente resposta afirmativa estavam implícitos filhos casa carro contas felicidade. Ela sentou no banco a seu lado. Ela escolheu sentar no banco a seu lado.
Os dois ficaram ali fumando, enquanto seu Anido pegava os sacos de feijão e distribuía pelas prateleiras, enquanto a moça dos churros se confundia nas contas com tantas crianças querendo os doces, enquanto o açougueiro fazia um enorme pedaço de carne em fatias, enquanto o sol se punha, ao longe.