Caros visitantes,

espero que vocês divirtam-se muito lendo minhas palavras. Peço, porém, por ser esse um trabalho independente, que não republiquem meus textos - inteiros, partes, frases, versos - sem minha expressa autorização. A pena para crime de plágio é dura, além de ser algo bastante humilhante para quem é processado. Tenho certeza que não terei problemas com relação a isso, mas é sempre bom lembrar!

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terça-feira, 28 de dezembro de 2010

A Vida que Roda

Como todos os dias, Jonathan estava doido para sair daquele lugar. Havia chegado muito cedo à repartição e pretendia sair mais cedo, se fosse possível. Sabia, muito provavelmente, que as pessoas ao redor nem notariam sua presença ou ausência.
Há anos que trabalhava nesse emprego-ralé, como ele mesmo dizia. Era perfeito pra quem não tinha conseguido fazer nada de concreto na vida. Ele tentou ser um advogado famoso, mas todos os seus casos foram por água abaixo. A última vez que pisou em um tribunal ficou marcada pelo conselho que o próprio juiz deu a Jonathan: procurar outra coisa pois advocacia não era o seu forte. Sua auto-estima foi a zero. Essa conversa somente somava-se a tantas outras que já tivera na vida com chefes de todos os tipos de emprego. Advocacia era sua última tentativa de emprego, por assim dizer, decente.
Sentindo-se rejeitado e debilmente jogado para o lado, Jonathan passou a pedir ajuda a todos que cruzassem seu caminho, até que um dia um amigo de uma amiga de sua mulher lhe disse que a repartição em que trabalhava precisava de novos funcionários. O trabalho era chato e monótono, segundo ele, mas pagava um dinheiro justo e era muito difícil ser dispensado.
Os anos se passaram em meses, que se tornaram anos. Ele passou mais de trinta longos anos carimbando papéis, resolvendo pequenos problemas, nada que exigisse muito de seu intelecto. A essas alturas Jonathan nem sabia o que lhe restava de intelecto, tão simples e mecânico era o trabalho que executava.
Ele foi apaixonado por Mônica, uma bela florista que gostava de dançar tango. Conheceram-se em um das milhares de festas que o clube da cidade abrigava. Ele vestido de Batman (ridículo, claro) e ela de Sininho. Riram de suas fantasias, beberam do ponche e ao final da noite estavam trocando juras de amor – não era claro se por amor mesmo ou por muito álcool no cérebro.
Jonathan nunca tinha acreditado em amor à primeira vista até conhecer Mônica. Depois da festa, ele passaram a andar sempre juntos. Todos os clichês: unha e carne, arroz e feijão, disco e vitrola, cd e cd-player. Em um pulo estavam morando juntos. Depois um filho. Dois. Três. A sonhada estabilidade. O começo da chatice.
Eles estavam bem. O dinheiro dele e dela garantiam uma renda razoável. Não viviam como esbanjadores, é claro, mas podiam entregar-se a alguns luxos, como comer fora todos os domingos, viajar para as montanhas uma vez por ano e comprar um carro Zero-quilômetro. E o tempo passou.
E o tempo passou e foi levando, lentamente, tudo que havia de bom na relação. Foi polindo os dois amantes, como o vento e o mar fazem com as pedras na praia. Foram desgastando-se, incomodando-se, reclamando. Até o pior acontecer.
Mônica cansou de Jonathan e o chamou de estagnado. Disse que nunca pensou que ele se transformaria em uma máquina. Disse que arrumaria as coisas dela e voltaria para a casa da mãe. “Eu preciso de um homem forte, que me leve para os lugares, e que não fique reclamando de tudo e todos cada vez que volta para casa de um emprego que odeia.”, reclamou ela e continuou, implacável, alegando que já era infeliz há muito tempo, mas havia esperado o tempo certo para dizer, com as crianças fora de casa, no colégio. Ele já não era mais homem o suficiente para ela, encerrou, cruel.
Ao ver o carro dobrar a esquina para sumir no horizonte e ele então por ver-se completamente sozinho e abandonado sentiu-se mal, caiu de joelhos e teve de ser amparado por um casal de corredores que passava casualmente ali por perto.
Tentou na justiça a guarda dos filhos, mas a lei sempre protege as mães e ele ficou a ver navios. Tinha acesso aos filhos somente uma vez por mês e somente sob supervisão. Percebeu que não adiantava brigar com a ex-mulher e percebeu que seu tempo afastado dos tribunais só havia feito mal para ele, pois já não mais convencia a opinião de um júri a ser a seu favor.
Anos passaram e ele continuou no emprego. Chegava a uma idade em que ficava cada vez mais difícil pensar em mudar e, apesar de sempre ter imaginado uma profissão diferente, acabou por desenvolver um certo amor pelo que fazia. Era, por assim dizer, um amor táctil. Gostava de mexer nos papéis, nas canetas, nas pastas velhas de plástico e no computador que, de tão velho, parecia que sairia voando nos próximos minutos.
Ele era mesmo estagnado. E também não fazia nenhum esforço para mover-se, para trás ou para frente em sua vida, que seja. Prestando atenção, percebeu que oferecia sempre a mesma refeição quando seus filhos iam visitá-lo, nas raras vezes que esse tipo de programa se-lhes passava pela cabeça. E também que nunca tinha passeios mirabolantes para lhes oferecer ou para ele mesmo contar. Era um pai chato, que se tornaria um velho chato, seria internado em um asilo e morreria sem que ninguém se desse conta.
A filha mais nova, Esperança, pediu-lhe que ele os levasse ao parque, pois ela gostava de brincar no roda-roda. Era um brinquedo semelhante a um banco circular que girava com a intensidade desejada pelo seus usuários. Ele já achava-se velho para tal, mas devido à insistência da filha, resolveu fazer sua vontade.
Enquanto girava, girava e girava, suas memórias iam desprendendo-se dos buracos escuros de seu cérebro e aparecendo em seus olhos como filmes. Talvez o pó das memórias a tanto guardadas tenham atiçado sua alergia e seus olhos se encheram de lágrimas. Enquanto girava, chorava. Enquanto chorava, via, nos olhos de sua filha, um motivo para continuar. Não queria ser um pai chato , queria voltar a viver. Aquela estagnação a que Mônica tinha se referido não devia mais ser parte de sua pessoa.
Os olhos alegres da filha haviam retirado de Jonathan todo um peso que vinham de não se sabe onde. Os giros haviam colocado os pensamentos dele no lugar. O tempo é sempre amigo.
Pediu demissão do emprego, mudou de casa, comprou um apartamento com uma sacada bacana, entrou em termos amigáveis com a ex-mulher. Passou a ficar com os filhos mais dias por semana.
Agora ele sorria. A vida lhe sorria. A vida que por um tempo mostrava-se escura agora lhe sorria.

Um comentário:

Anônimo disse...

É engraçado porque consigo imaginar que você estivesse falando isso. :)
Na verdade, sempre achei que seu estilo seria mais Rubem Fonseca, mas não.

Escrevi sobre alguns filmes, poderias dar o seu pitaco?

Beijo e Feliz 2011!