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espero que vocês divirtam-se muito lendo minhas palavras. Peço, porém, por ser esse um trabalho independente, que não republiquem meus textos - inteiros, partes, frases, versos - sem minha expressa autorização. A pena para crime de plágio é dura, além de ser algo bastante humilhante para quem é processado. Tenho certeza que não terei problemas com relação a isso, mas é sempre bom lembrar!

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sábado, 7 de maio de 2011

Crônica de uma morte anunciada

para Mytokas, meu cão fiel

Sabe: é incrível como a gente toma algumas coisas na vida como certas e nem sequer imaginamos que elas possam mudar. Pensamentos, idéias, rotinas. Tenho pensado muito sobre isso. Parece que entramos em uma espiral em que tudo o que se faz é trabalhar, estudar, dormir, acordar e fazer tudo de novo. Sem parar. Sem respirar.
A língua inglesa tem uma expressão sem sentido exato em português que expressa bem o que quero dizer: "take for granted". É impossível de traduzir exatamente, mas podemos aproximá-la de nossa língua pensando em pressupor, assumir, presumir, achar normal, natural, óbvio. Seria tudo isso e mais um pouco. Muitas vezes nós "take for granted" diversas coisas. E pessoas.
E tem algo pior. Só nos damos conta disso quando estamos prestes a perder essa coisa ou essa pessoa. Aí, nesse restinho de vida, vemos o quando aquela pessoa é importante para nós e nos lamentamos amargamente por não ter passado mais tempo com ela ou ter feito mais isso ou aquilo. Achamos desculpas criativas, explicações cabíveis e sorrimos idioticamente frente ao leite derramado.
Lembram daqueles sonhos que tínhamos quando crianças? De ser modelo jornalista ator cantor astronauta jogador de futebol? Quem colocou em nossas mentes que não podemos sê-los? Quem disse que não?
Lady Gaga é um dos maiores sucessos da música pop atual, vende milhares de discos, lota estádios, cita modas e tendência e tem 24 anos. Alguém disse a ela que ela nunca seria famosa? Sim. Muitas pessoas. Mas ela nunca desistiu. E continua aí para provar. O que está em voga aqui não é a qualidade de suas canções e/ou se seu estilo é original ou não. Estou falando de perseguir um sonho. E não desistir até realizá-lo.
Eu sempre acabo divagando e quase perco meu ponto. Tudo bem, meu estilo. Vamos voltar ao “take for granted”. Meu cachorro está doente, muito doente. O pobre bichinho está praticamente cego, ouve mal e quase não consegue ficar em pé. Esquálido, nem reconhece mais quando o chamamos e fica rodando no lugar. Urina descontroladamente no primeiro lugar possível. É algo muito triste para mim.
Esse mesmo cachorro em seus dias de glória era a alegria da casa. Corria pelo quintal atrás de gatos, fugia pelo portão e ia brigar com enormes cães da vizinhança – geralmente voltar todo estropiado, mas sorria. Sobreviveu aos nossos vários pássaros (ao menos quatro calopsitas passaram por essa casa e morreram de um dia para o outro).
Seu nome foi dado por minha irmã Gabriela, que mal falava na época. Balbuciou alguma coisa que entendemos como Mytokas. E assim foi nomeado. O “y” e o “k” vieram com a brincadeira de que ele era de uma raça grega muito rara – o que é uma grande mentira, sendo que ele é de uma linhagem nobilíssima de... vira-latas.
Os anos passaram rápido e todos envelhecemos. Mytokas esteve lá em todos os momentos. Alegrias, tristezas, brincadeiras, enroscando-se em nossas pernas, chorando por estar com fome, chorando por ter comido rápido demais, fugindo dos barulhos das bombas de fim de ano, lá estava ele. Em seus vários anos de vida – mais de 15 – virou parte insubstituível da família. Seu nome ficou famoso, os amigos conhecem o Mytokas e seu nome estranhamente interessante. A história da origem grega é fruto de conversas até hoje.
É muito difícil vê-lo partir aos poucos. É muito difícil não tê-lo mais fazendo festa ao chegar em casa. É agora muito difícil para ele ficar em pé e achar sua própria cama.
Hoje cheguei da rua e olhei nos olhos do cachorro que esteve lá em grande parte da minha vida. Ele, apesar de todas as adversidades, parecia sorrir o sofrer. Está com dores, mas mostrava-se forte. E eu chorei. Chorei de saudade dos velhos tempos. Chorei de saudade antecipada. Chorei essa crônica de morte anunciada.
O cachorro é gente como a gente ou a gente vira bicho como cachorro, não sei bem. Uma das heranças que meu avô me deixou – além das memórias e ensinamentos – foi um cachorro de pelúcia em tamanho natural. Um símbolo de lealdade. E para ele que dirijo meu olhar enquanto escrevo.
Tal qual Dorian Gray, o cachorro mantêm-se intacto com o passar dos anos. Os avôs foram-se, o cachorro real também irá um dia desses. O de pelúcia serve para lembrar da inexorabilidade do tempo e do fato de que tudo que é vivo, morre.
Vai ser difícil respirar no dia que o Mytokas deixar esse plano para correr pelos campos de País do Verão. E convoco meus leitores a fazer como eu e não “take for granted” seus sonhos, suas idéias e seus entes queridos. Abrace sua mãe, dê um beijo em seu pai, não brigue com seus irmãos, leve seu cachorro para passear, assobie com seu passarinho. E não esqueça de seus sonhos.
Falar é muito fácil, eu sei, o difícil é fazer, mas se ninguém falar nada, o silêncio predomina sobre tudo e nada acontece. Falo e tento fazer.
O tempo não pára e a nossa é uma vida louca vida. Pare para sentir o perfume das rosas.

ps: O título desse texto vem de um livro do grande Gabriel García Márquez.

2 comentários:

Luciano Pereira disse...

Gabriel García Marquez é meu escritor predileto...Como eu queria ser ele...

Unknown disse...

Chorei com suas palavras e sentimentos, Rick. Senti também a minha dor, pq minha Babi, uma poodle pequenina, sapeca, dentuça (mas linda) também se foi há algum tempo. E até hoje, quando me lembro dela, sofro. Sofro de saudade, as vezes acho que ela está no meu quarto para me acordar, ou chorando pq eu estava sozinha no quarto e ela não estava ao meu lado. De fato, sempre fiel, tão amável, e nunca, nunca deixou de me amar.

Como seria bom se tivéssemos a inteligência emocional dos cães. Não guardam rancor, felicitam-se por coisas pequenas, e sempre presentes...

Uma coisa que amei no seu texto, e que venho pensando há muitos anos (talvez desde 2003) é sobre os sentidos que a doença e a morte fazem em nossas vidas. Sem dúvida, esses dois expoentes negligenciados da nossa "roda viva" são pontos de mutação, fazendo-nos re-pensar e re-sentir muitas coisas.

Sei que vc não curte o Rubem Alves, mas tem um trechinho em um livro dele que eu gosto muito que diz o seguinte: "Há jeitos de estar doente, de acordo com os jeitos da doença... Algumas doenças são visitas: chegam sem avisar, perturbam a paz da casa e se vão. É o caso de uma perna quebrada, de uma apendicite, de um sarampo. Passado o tempo certo, a doença arruma a mala e diz adeus. E tudo volta a ser como sempre foi.Outras doenças vêm para ficar. E é inútil reclamar. Se vem para ficar, é preciso fazer com elas o que a gente faria caso alguém se mudasse definitivamente para a nossa casa: arrumar as coisas da melhor maneira possível para que a convivência não seja dolorosa. Quem sabe até tirar algum proveito da situação? A doença é a possibilidade da perda, uma emissária da morte. Sob seu toque, tudo fica fluido, evanescente, efêmero. As pessoas amadas, os filhos – todos ganham a beleza das bolhas de sabão.Os atingidos pela possibilidade de perda acordam da sua letargia. Objetos banais, ignorados, ficam repentinamente luminosos. Se soubéssemos que vamos ficar cegos, que cenários veríamos num simples grão de areia! Quem sente gozo na simples maravilha cotidiana que é não sentir dor? A saúde embrutece os sentidos. A doença faz os sentidos ressuscitarem.".
Eu vejo a vida com outros olhos depois que comecei a conviver com pacientes com câncer, pq eles, melhor que ninguém, vivenciam essa realidade que vc coloca no seu texto, de aproveitar a vida agora por não saber o que pode acontecer. E como eles são sábios, e olha que não precisamos ficar doentes para valorizar as pessoas e as pequenas (e importantes) coisas da vida né? Adorei esse seu texto! De verdade :)

Beijo no core