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terça-feira, 12 de abril de 2011

Púrpura Flor

para Kátia Almeida

E eis que uma vez, do dia para noite, nasceu uma pequena flor no meio do parque da cidade. Era algo diferente, aquele lugar não possuía muitas flores. Na verdade, era o parque mais estranho do mundo. As árvores eram baixas, os animais que passavam por lá eram todos magros, esquálidos. O rio era até bonito, mas bem fininho e silencioso – nada como aqueles enormes e caudalosos sobre os quais os avós contavam histórias. Muitos anos fazia que os peixes nem chegavam perto daquele rio; talvez as algas estivessem com o gosto ruim do abandono.
E eis então que a flor virou assunto da cidade. O Padre citou-a no sermão de domingo (o primeiro que fez com real alegria!). O Prefeito lançou a operação “Protego-floris”, afim de que nada nem ninguém pudesse fazer qualquer mal àquela planta. Os fotógrafos, profissionais e amadores, enlouqueciam-se, tentando achar os melhores ângulos daquela maravilha. Um deles estava até super empenhado para sair em um revista internacional com a sua foto!
A flor era muito bonita – roxa, meio em formato de copo, mas não era bem um copo, talvez o copo que uma rainha usasse, disse a menininha. O pai, sério e atarefado, disse-lhe que parasse com besteiras, mas ela gostava de sonhar que uma rainha fada, disfarçada de borboleta, apareceria e tomaria suas bebidas reais naquele copo roxo, com detalhes em branco-cinza.
Os cientistas analisaram a flor, delicadamente, como lhes cabe. Sabiam que era rara e extremamente frágil e que tinham nas mãos algo lindo. O tempo passava e, apesar de todas as intempéries, a flor resistia e tornava-se cada vez maior e mais maravilhosa.
De tanto ouvirem falar na tal flor, os dois Namorados resolveram ir lá no parque da cidade ver o que estava dando margem a tantos assuntos. Jovens estudantes – ela, bióloga, e ele, literato – ficaram a divagar sobre a beleza da angiosperma. Ela então explicou que, de acordo com o que tinha ouvido sobre a planta, aquela flor chamava-se Digitalis Purpurea, conhecida como “Dedaleira”, e era conhecida por ser guia de néctar, ou seja, abelhas e outros insetos voadores vinham buscar seu pólem.
Ele não entendia nada de biologia, mas adorava ver a namorada falar sobre o que mais gostava. Era ela para ele tão linda quanto a famosa flor. Enquanto ela falava, ele imaginava os animaizinhos todos olhando para a plantinha e cantando alegremente, enquanto o processo de polinização acontecia, sem nem se darem conta.
Ela também gostava de olhar seu namorado e perceber seus olhos castanhos absorverem todas as palavras com amor e atenção. Gostava de quando ele pegava o violão e cantava para ela – pensava inclusive de pedir para que ele fizesse uma música para a planta do momento.
Deram-se os braços e dirigiram-se para o parque. Os passos, as respirações, as bocas, os cabelos, os dedos do pé, tudo era motivo para que ambos estampassem um enorme sorriso em seus rostos. Eram muito felizes e se amavam imensamente.
O parque transmutava-se a olhos vistos. Era agora mais verde, mais cheio de animais, mais agradável e mais, muito mais bonito. O rio ficara maior e os peixes começaram a experimentar aquela água nova que brotava da fonte. A mesma que lá sempre estivera, mas que agora jorrava de forma diferente. A população estava radiante, achavam que aquele era então o mais belo conjunto de árvores de todos – e talvez fosse mesmo.
A flor tornava-se cada vez maior e, quando os Namorados chegaram em seu local, surpreenderam-se com seu tamanho e exuberância. Deixara de ser pequenina. Era praticamente um pedaço do céu de tanta beleza. Os Namorados ajoelharam-se em respeito àquela que fosse talvez a rainha das flores. Uma lágrima correu pelo rosto da namorada e caiu na terra. Como se fosse um agradecimento, a grama onde aquela lágrima caiu tornou-se mais verde.
“Eu amo você” e “eu amo você” e os dois se beijaram. As línguas e bocas buscavam-se com muita ardência. Eram companheiros. Eram amigos. Eram eternos.
Uma noite, uma tempestade gigantesca tomou conta da cidade. Raios, relâmpagos, trovões que metiam medo até no sempre corajoso delegado. A cada novo som, ele se agarrava ao crucifixo e lembrava-se da história contada por sua mãe de que os trovões nada mais eram do que o som dos móveis da casa de São Pedro sendo arrastados para lá e para cá. Casas caíram, mesas viraram, pontes foram alagadas. O sino da igreja despencou e por pouco não atingiu a sacristia. Crianças gritavam, desesperadas. A enorme tempestade arrasou a cidade. No céu, a lua plena chorava.
O momento foi delicado, o estrago foi tamanho, mas a tragédia maior ainda estava por vir. Após as chuvas, as pessoas foram em romaria visitar a flor, como a um santuário. O primeiro que viu foi um menino pequeno, filho do padeiro, que veio correndo contar a seu pai o que tinha acontecido. A flor não estava mais lá. Tinha desaparecido. Não tinha sido arrancada, nem nada tinha caído por cima dela. Ela somente não mais estava lá, como se nunca houvesse existido.
As dúvidas pululavam e nem o padre e nem o psicólogo da cidade eram capazes de explicar o que teria acontecido com a tão maravilhosa planta. Talvez ela tenha fugido para se salvar, disse um. Não seja tolo, disse outro, plantas não fogem. E onde ela está?, perguntou o primeiro. Não faço idéia, oras!, respondeu o segundo.
Os Namorados assistiram à tempestade da janela de sua casa. Temiam pela vida e integridade física de seus amigos e familiares, mas não havia nada que pudessem ter feito para ajudar. E agora choravam pelo sumiço da flor.
Tudo agora mudava de novo, e para pior. O rio voltou a ser fino, as árvores descoloriram-se e os animais foram aos poucos deixando aquela região. Talvez o pior de tudo fossem os namorados, que agora não mais se toleravam. Eram estranhos um ao outro. Hábitos que tinham em conjunto agora faziam cada um sozinho em seus cantos. O violão teve suas cordas arrebentadas com uma tesoura sem ponta. Os livros de biologia agora figuravam entre os papéis para reciclagem. Não mais existiriam.
Muitos disseram que foi tudo um ato de loucura coletiva, outros disseram ser a pura verdade. O que ocorre é que em um determinado momento do tempo – aquela hora do amanhecer que não é noite e nem dia – surgiu uma moça do meio do bosque. Usava um vestido azul brilhoso e sapatos também muito azuis, tinha orelhas pontudas e sorria. Deixou os mais incrédulos de olhos boquiabertos. Lentamente, todos os habitantes da cidade foram para o bosque ver o que era aquela aparição. É assombração, dizia um. É coisa do demônio, dizia outro. Calem-se e deixem-na falar!, dizia um senhor mais velho.
A moça então sorriu e cantou e sua canção falava de tempos imemoriais e épocas distantes, quando todo o planeta vivia em comunhão. A dor não existia, as frutas eram maduras e as árvores sempre com copas frondosas. E, cantando, foi tocando com sua varinha, vários pontos da cidade. Pessoas, casas, igrejas, campos, plantações, tudo voltava ao normal no mais delicado toque e a moça voava com suas pequenas asas. Cantava sobre as cores, as formas, os cheiros do paraíso.
Os namorados – agora separados e sequer se olhando – estavam bem na frente da multidão e ouviam a moça cantar e não sabiam como reagir. Todos estavam experimentado uma sensação de todo nova. Não sabiam o que era, mas sabiam que – seja o que fosse – os transformaria para sempre.
A cidade foi reconstruída em poucos toques. E a moça então chamou a todos na praça principal e disse:
- “Cidadãos, vim de muito longe para ajudá-los. Sabíamos que estavam com problemas e que não conseguiriam resolvê-los sozinhos. Tudo isso foi feito para que vocês consigam novamente viver em paz. Eu sou a guardiã desse local e convenci meus superiores a dar-lhes uma nova chance. Eles aceitaram, porém com uma condição: vocês não se lembrarão de minha passagem por aqui.”
E, percebendo a presença dos dois namorados, disse, sorrindo:
- “Apresento-lhes os Namorados, que cuidarão para que a cidade fique sempre assim, linda e exuberante”.
Eles se entreolharam, atônitos. A fada então desceu do coreto onde estava e falou-lhes: “Vocês serão agora os guardiões da flor. Cuidarão para ela floresça e fique cada vez maior e mais forte. Acham que podem lidar com essa responsabilidade?”. Eles sorriram e deram-se as mãos e disseram que sim. A fada disse: “Que assim seja feito. Esta é a mais importante de todas as flores que já existiram no mundo. Essa é a Flor do Querer. Cuidem bem dela para que o Querer nunca feneça.”
A fada sorriu para todos, para os Namorados, para a cidade inteira. “Parto agora de volta a meu país – o País onde sempre faz Verão – e espero vê-los cada vez mais prósperos e felizes. Cuidem um dos outros.” E começou a subir.
E a menininha, que sabia que aquela flor era de uma Rainha fada, perguntou:
- “Mas quem é você? Quem é você?”
E a fada respondeu, triunfal:
- “Chamam-me de muitas coisas e estou na vida de todos sempre e para sempre. Meu nome é Tempo.”
Lágrimas lavaram o chão da praça e a alma de muitos ali. Os Namorados abraçaram-se, beijaram-se e correram para o lugar onde deveria estar a flor e lá estava ela, ainda mais linda e bela e exuberante, como se isso fosse possível. Eram agora os guardiões oficiais da flor. Eram eternos. Eram eternos.
Se a história é real ou não, gosto de crer que sim. E me encontro com a Rainha-fada, com os Namorados, com a população da cidade e com a Flor do Querer todos os dias, naquele mesmo momento da manhã em que a noite não é dia e o dia não é noite e o pó do sonho se mistura ao pó da memória.


     “Ah, bruta flor do querer,
     ah, bruta flor, bruta flor”,
     (Caetano Veloso)



Tudo o que eu mais quero agora é que você seja amada, respeitada e cuidada. Você merece ser muito feliz, hoje, amanhã e pra sempre, minha querida amiga. (R.M.)

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