Eu sempre gostei de escrever à noite. O silêncio me acalma e me traz idéias boas e ruins. Gosto de pensar que sou o único no mundo que está ainda acordado e ativo, mesmo sabendo que isso é obviamente uma afirmação falsa, visto que toda a outra metade do mundo está a pleno vapor.
Gosto do som solitário dos meus dedos digitando no computador ou – e isso não ocorre com frenquencia – na máquina de escrever. Ela anda meio jogada às traças, apesar de estar funcionando quase perfeitamente. Tem um problema com a tecla que dá espaço e eu tenho que fazer a mudança de linha manualmente, o que deixa o serviço um pouco mais complicado do que simplesmente sentar e escrever, mas eu consigo me virar.
É à noite que eu penso na vida, nas mudanças que podem vir pelo caminho, nas mudanças que vem todos os dias. Já não sou mais quem eu era ano passado e acho que ninguém é. Escolhas são feitas todos os dias e bla bla bla. Eu particularmente tenho medo de escolhas e acho que por isso fujo delas como diabo da cruz. Tenho que mudar isso e tenho mudado isso cada vez mais.
Passei dias horríveis nesses meses. Dúvidas, medos, sentimentos confusos e dor, muita dor. Todos temos dores, imagino eu, mesmo os mais felizes. Felicidade não é, apesar do mercado querer vender essa imagem estúpida, um estado constante. Pessoas constantemente felizes só habitam os comerciais de margarina. Confesso que eu sou uma pessoa bem humorada, mas eu detestaria viver naquela família onde todo mundo sorri e toma aquele suco de laranja de cor horrível. E também detesto Doriana.
Estou sozinho agora e a casa é grande demais só para mim. Tenho uma relação de amor e ódio com a solidão. Passo dias ansiando por ela, por ter um tempo para mim, para ler, ver filmes ou fazer o que quiser. Ao mesmo tempo quando a tenho, ela me traz muito medo. Medo de ser sozinho para sempre, medo de pirar, medo de me trancar em uma jaula e nunca mais conseguir sair. Algumas noites acordo do nada de sonhos intranquilos de Gregor Samsa. Essa metamorfose de adolescente tranquilo onde tudo está bem em adulto com obrigações e um futuro a ser pensando é apavorante. Eu me sinto na beira de um abismo fundo, tão fundo quanto uma alma. Se eu resvalar em uma pedra, adeus minha vida. Ao mesmo tempo se abrem em minha frente vários abismos e pessoas atrás ameaçam me empurrar para uma delas. Um deles eu vou ter que me jogar e pode ser que não tenha mais volta. A idéia do pra sempre sempre me assustou. Não quero nada pra sempre, eu tenho medo do pra sempre, tenho medo de não conseguir mudar, tenho medo de enjoar – e isso já aconteceu muitas vezes – tenho medo de não gostar, desistir e sentir que a minha vida inteira foi um fracasso, mas como pode ter sido um fracasso se eu não tenho nem trinta anos, mas e se eu tiver trinta anos e ainda não tiver acontecido nada.
Os personagens dos meus livros me habitam e ao mesmo tempo fogem de mim e eu fico tentando caçá-los e pensando no que seria um bom livro, no que um editor se interessaria, será que eu quero ser um editor e ler livros ruins de pessoas medíocres, será que eu sou um escritor medíocre e o meu livro ruim? Que livro é esse? Nada mais é do que um aglomerado de contos escritos ao longo de muitos anos, mais de dez, mais de quinze talvez. Uns que eu acho bons, outros prepotentes, outros até bacaninhas.
Mostrei pra algumas pessoas, mas a maioria eu tinha certeza que iam gostar, por isso mostrei, até porque costumo não gostar quando alguém não gosta do que eu gosto, eu endeuso o que eu gosto e se a pessoa não gosta eu penso que o problema é dela e não meu. Eu sei dos meus problemas, mas se ela não gosta do que eu gosto isso é problema dela e na verdade não é, isso é problema meu, as pessoas gostam do que elas quiserem. Aí um amigo leu três textos meus e disse que não gostou, assim sem mais sem falar nada mais, ele disse que não gostou, que tinha achado ruim e que um deles tinha sido melhorzinho e eu tinha uma semana antes falado maravilhas dos textos dele.
Eu só queria ser publicado e fazer noite de autógrafos, já estou até treinando meus autógrafos e também o que falar, vou querer que todos os livros tenham um textinho antes do autógrafo, obrigado pela leitura, obrigado por ter vindo, valeu a visita (?), um beijo, primeiro passo da minha caminhada literária. E aí eu vejo na televisão esses grandes escritores fodões que falam que foi só sentar e escrever e produzir aquelas maravilhas. E a idéia? A idéia, seus cretinos impolados mentirosos, vocês estão fazendo poses, pagando de intelectuais só para os outros se sentirem mal, mas vocês podem porque vocês são geniais, na verdade, eu é que sou medíocre, na verdade não medíocre, mas não bom o suficiente.
Achei alguém para ler o meu livro antes de ser mandado para a editora. Espero que ele goste.